Foi com um sentimento misto, entre o espanto
e a revolta, que li as referências a uma proposta onde «Notáveis
de esquerda e de direita apelam à reestruturação da dívida portuguesa».
Espanto, porque, segundo a notícia, a
iniciativa junta personalidades da direita e da esquerda, facto assinalável
quando horas antes o próprio «Cavaco
Silva volta a apelar ao entendimento entre os partidos» dizendo que «"É
estranhíssimo que Portugal seja o País da Europa onde o diálogo entre as forças
políticas é mais difícil"», numa clara afirmação do que Governo e
Presidência da República têm recusado ouvir: a dívida portuguesa é impagável!
Revolta,
porque desde o anúncio da política de resgates para a Zona Euro que venho
denunciando neste espaço não apenas a respectiva inadequação mas principalmente
a óbvia necessidade de incluir iniciativas visando a reestruturação da dívida como
passo fundamental para a resolução do problema. No dia 27 de Março de 2011 e na
sequência de mais uma reunião dos líderes europeus, escrevi no “post” «BRICOLAGEM»
que: «Decorrido quase um ano sobre a intervenção
decidida a favor da Grécia – com o objectivo de salvaguardar aquele
estado-membro das dificuldades financeiras resultantes duma forte subida das
taxas de juro da sua dívida soberana – e cerca de seis meses sobre idêntica
actuação a favor da Irlanda, os líderes europeus parecem continuar sem entender
a origem e a verdadeira essência do problema que têm de enfrentar.
Persistindo
não só numa abordagem individualizada – tratando cada estado-membro como um
problema isolado – mas principalmente na aplicação de uma estratégia
manifestamente desajustada para a dimensão e para o real objectivo dos
acontecimentos, a Comissão Europeia, o BCE e os estados da Zona Euro mais não
têm feito que adiar o problema, talvez na vã esperança que o tempo resolva a
sua própria falta de capacidade. Persistindo na negação da existência duma
estratégia financeira concertada contra o euro (sirva esta para escamotear as
fragilidades do dólar americano ou da libra inglesa, ou enquanto actuação
meramente predatória de ataque aos mais fracos para a realização de maiores
lucros), recusando-se a admitir o fracasso da introdução da moeda única como
factor gerador de convergência entre as economias da Zona Euro, bem como
qualquer hipótese de actuação firme e concertada de oposição a quem especula
contra a moeda europeia e preferindo apontar como responsáveis (e últimos
pagadores) os cidadãos dos estados-membros mais flagelados, os líderes europeus,
sob pressão da Alemanha, têm pactuado e contribuído abertamente para o
alastramento da crise.»
Pouco
depois, em Abril do mesmo ano, escrevia no “post”
«CAMINHOS
COM FUTURO» que a opção de reestruturação da dívida sendo «… tão
válida e viável quanto qualquer outra, terá sempre que incluir três alterações
significativas:
- uma redução do capital em dívida (e isto é precisamente o que os credores mais temem e por isso é que tentam impor a presença do FMI como garante de que tudo, mas mesmo tudo..., será feito para tal não ocorra);
- um aumento no prazo de amortização do capital (mesmo após a sua redução);
- uma taxa de juro tendencialmente próxima da taxa do BCE, ou seja uma taxa muito inferior à aplicada à Grécia e à Irlanda (6% ou mais);
salvo
o que o processo de resgate se assemelhará mais a uma asfixia que a um
verdadeiro auxílio e então, a prazo, os credores voltarão a sentir os mesmos
receios, pois as economias do sul da Europa (Espanha incluída) não dispõem de
condições próprias para assegurar crescimentos sustentados e persistentes no
tempo suficientes para assegurarem o pagamento da totalidade das dívidas
acumuladas.
Acrescente-se
ainda que parte destas dívidas serviram (e continuarão a servir no futuro) para
assegurar os superavites das balanças comerciais dos parceiros europeus (e
principalmente da Alemanha) que agora fomentam entre as opiniões públicas
nacionais a ideia de que os países do sul têm vivido acima das suas
possibilidades, mas a cuja capacidade de consumo devem boa parte do seu
crescimento económico.»
Assim sendo e
depois de tantas vezes ter abordado o assunto, esta iniciativa apenas pode ser
entendida como débil e tardia, pouco contribuindo para minorar os prejuízos
acumulados…
…e ainda menos
para prevenir os futuros.
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