sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

A UTOPIA DO “TRICKLE DOWN”

Nos tempos que correm não existe quase um dia sem que, em conversas informais ou no mais responsável dos meios de comunicação, surja uma referência directa ou indirecta ao chamado “trickle down economics”. No apoio ou na crítica ao modelo de política económica seguido (ou imposto pelos “negociadores” dos programas de apoio financeiro do FMI, da UE e do FEEF) na Zona Euro, está sempre implícita a discussão daquela teoria que na mais simples das suas versões se traduz na ideia que as reduções de impostos e outros benefícios fiscais de que beneficiem as empresas e as famílias mais ricas, acabarão por se converter também em benefícios para os segmentos menos favorecidos do conjunto da população.

Embora a sua entrada no léxico corrente seja recente, a origem do conceito é bastante antiga e por isso mesmo são estatisticamente observáveis os efeitos práticos da sua aplicação, mesmo quando a simples observação empírica bastaria para o refutar.

Sem truques nem malabarismo desnecessários basta recordar que o período áureo dos seus defensores coincidiu com a aplicação da chamada “Reaganomics”, ou seja, o predomínio das teorias económicas orientadas para o lado da oferta e directamente influenciadas pela teoria monetarista de Milton Friedman.


Daqui a transformar esta corrente de pensamento na espinha dorsal dos tecnocratas do FMI e do Banco Mundial e a “exportá-la” por esse mundo fora, foi apenas um pequeno passo. Aproveitando os pedidos de auxílio financeiro dos Estados em maiores dificuldades económicas, transformando aqueles princípios em condições obrigatórias, foram os Estados convertidos em presas fáceis de interesses alheios, que rapidamente os defiguraram em estruturas economicamente dependentes do fornecimento de bens e serviços básicos.

Foi assim que assistimos durante a última geração a uma expansão forçada da globalização (com o que este conceito apresenta de mais prejudicial em termos de aculturação e de destruição de tecidos produtivos autóctones) e á difusão da ideia das enormes vantagens que adviriam para todos duma política de reduções fiscais para uma minoria que não podia deixar de gerar benefícios colectivos. Baixaram-se os impostos sobre os lucros (em especial os das grandes empresas de capitais transnacionais), sobre os rendimentos de capital (gerados nos mercados globais de acções e nos recém inventados “offshores” financeiros), liberalizaram-se mercados (eliminando barreiras alfandegárias e normas protectoras de territórios e trabalhadores) para chegarmos à situação em que os Estados, privados de receitas suficientes se viram empurrados para o recurso ao endividamento como única via para o financiamento das suas políticas.

Independentemente da qualidade destas políticas, o resultado hoje visível foi o empobrecimento geral das famílias e dos Estados (mais gravoso ainda quando o endividamento foi canalisado para investimentos de duvidosa ou nula rentabilidade económica e social), e o aproveitamento que do mesmo está a ser feito. A lista de prejudicados já vai longa e nela se incluem Estados da América Latina, empurrados nos anos 80 e 90 do século passado pela situação de défices crónicos nas suas balanças comerciais, países do Sudoeste Asiático, empobrecidos pelo sistema de comércio mundial e pela fragilidade das suas divisas, a Rússia, economicamente devastada na sequência da desagregação da União Soviética, e agora os países periféricos da Zona Euro.

Uma versão actualizada do “trickle down” surgiu agora na Europa, onde impera a ideia de que uma austeridade expansionista – traduzida nas palavras dum dos seus campeões, Passos Coelho, como um processo de empobrecimento que nos conduzirá à riqueza – constituirá a panaceia salvadora e remissora de todos os nossos males. Asseguram-nos que um aumento selectivo de impostos (indirectos e directos sobre os assalariados), uma redução de salários (em termos efectivos e/ou através do aumento dos horários de trabalho) e de prestações sociais, tudo factores que reduzirão o rendimento disponível das famílias e a receita directa do Estado, constitui a melhor solução mas não explicam o seu evidente fracasso – bem expresso nas dificuldades crescentes duma Grécia de quem já se diz que «Passo em falso no acordo grego, passo em frente rumo à bancarrota», na constatação de que em Portugal, segundo os dados mais recentes do Eurostat, a «Dívida pública já supera 110% do PIB» – e ainda menos as conclusões do último relatório do FMI sobre políticas fiscais.

Neste documento (Fiscal Monitor Update) conclui-se que afinal a grande preocupação dos “mercados” não é tanto a consolidação orçamental a médio prazo mas, principalmente o crescimento económico de curto prazo; a conclusão daquele estudo valida afinal a mais lógica e elementar das preocupações de qualquer investidor: assegurar o retorno do capital investido e dos juros. E a prova que esta é no fundo a única preocupação é que cresce entre os governantes europeus o discurso que tudo será feito para assegurar os ganhos dos investidores, ou, como afirmou Passos Coelho «Portugal vai cumprir o seu programa “custe o que custar”».

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