quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A GREVE GERAL DE VASCO GRAÇA MOURA E A MINHA


Ao contrário do que Vasco Graça Moura escreve hoje no DN não tenho «…dificuldade em perceber quais as vantagens duma greve geral num país falido», o que tenho é dificuldade em perceber como é que apenas um dia de agitação social poderá inflectir as políticas dum governo.

É certo, como escreve Vasco Graça Moura, que a crise não se resolverá com um dia de greve, mas preconizar o silêncio passivo perante políticas que além de lesivas do rendimento das famílias trabalhadoras são manifestamente desadequadas para a resolução do problema e, pior, socialmente injustas e degradantes, também não se afigura como solução alternativa.

Mas a demagogia do autor vai um pouco além, refina-se em referências históricas e recua aos primórdios do capitalismo industrial para demonstrar a excelência dos privilégios dos trabalhadores actuais; refere aqueles tempos em que «…o enriquecimento crescente dos patrões podia ser visto como correlativo da pauperização crescente e acelerada da exploração dos trabalhadores» como se actualmente tudo isso fosse de todo em todo irreal. No afã de defender o seu governo, Vasco Graça Moura vai ao ponto de comparar o estatuto dos trabalhadores nos séculos XIX e XXI e de lembrar que o «…alvo clássico de uma greve é, por definição, a entidade patronal que, comprando a força de trabalho alheia, acumula mais-valias à custa do esforço de cada um daqueles que a prestam», misturando a essência duma greve sectorial com a duma greve geral (enquanto na primeira se procuram dirimir conflitos de natureza laboral, na segunda o âmbito é mais vasto e de política geral) como se as políticas de austeridade – traduzidas em cortes nas prestações sociais, em aumentos de impostos directos e indirectos e em reduções salariais para os trabalhadores da Função Pública e do Sector Empresarial do Estado – aprovadas pela maioria governamental (com a cúmplice abstenção do PS), não representem por si só um atentado à dignidade dos portugueses e a actual situação de escassez e desigualdades gritantes não fosse razão suficiente para a contestação.

Esquecendo as profundas razões sociais e económicas para o descontentamento, mas não deixando de trazer à liça a delicada situação das PME’s e dos seus proprietários (como se a greve de amanhã tivesse como razão de fundo a reivindicação de aumentos salariais), nem a «…situação nos mercados internacionais, a especulação bolsista, as dinâmicas financeiras desenfreadas...» que insere «…num plano de globalização de impossível controle por parte das autoridades nacionais e até das internacionais», como se a estratégia seguida pelo governo de Passos Coelho constituísse a mínima tentativa nesse sentido, lá deixa escapar que «…algumas das medidas que o Governo está a tomar atingem as raias da barbaridade», mas apenas e tão só para de pronto retomar a ladainha da inexistência de alternativa às políticas que, veja-se o exemplo grego, longe constituírem paliativo para o problema são fonte do seu agravamento.

Com a mesma ausência de pudor e de argumentos que declara a inexistência de alternativas, assegura que a greve convocada apenas «…vai agravar as coisas, em nome de chavões políticos que já não levam a lado nenhum», mas quando, qual fiel discípulo de Fukuyama[1], declara o fim das ideologias para argumentar que a greve é apenas uma questão de bom senso, Vasco Graça Moura expõe o verdadeiro cerne do argumentário neoliberal e conservador – o capitalismo é o modelo hegemónico, as ideologias morreram e o que importa é o lucro!


Serão precisas ainda mais palavras para explicar a diferença entre a minha greve geral e a de Vasco Graça Moura?


[1] Yoshihiro Francis Fukuyama, filósofo e economista político americano, importante figura do movimento neoconservador e considerado um dos ideólogos da administração de Ronald Reagan, publicou no final da década de 80 do século passado «O Fim da História», obra na qual defende a teoria de que o capitalismo e a democracia burguesa constituem o coroamento da história da humanidade; assim, após a destruição do fascismo e do socialismo, a humanidade teria atingido o ponto culminante da sua evolução com o triunfo da democracia liberal ocidental sobre todos os demais sistemas e ideologias concorrentes, restando apenas os vestígios de nacionalismos e o fundamentalismo islâmico. Desse modo, diante da derrocada do socialismo, o autor concluiu que a democracia liberal ocidental firmou-se como a solução final do governo humano, significando, nesse sentido, o "fim da história" da humanidade. (adaptado de Wikipedia)

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