A rápida sequência e encadeamento dos acontecimentos , quer no cenário europeu quer no global, indiciam que depois das várias cimeiras europeias e do G20 as soluções continuarão a pecar pela exclusiva protecção dos sectores e dos agentes que foram (e continuam a ser...) os principais intérpretes e responsáveis pelo crescimento e aprofundamento da crise que atravessa a Europa e o Mundo.
A aparente novidade introduzida pelo governo grego da convocatória dum referendo para avaliar um novo recurso ao FMI e ao FEEF e mais um (o quinto) pacote de medidas de austeridade não invalida o juízo em tempos produzido por Viriato Soromenho-Marques nas páginas do DN, de que com o tempo «[p]roduzimos uma democracia nacional, capturada por partidos venais e alimentada pelo comodismo cívico dos cidadãos, que se transformou numa máquina de eleger gente medíocre para tomar decisões estratégicas».
E o pior é que aquela apreciação (produzida em especial para caracterizar a situação europeia) pode ser generalizada aos restantes países ocidentais e assim não será de estranhar que até as cimeiras de cúpula do G20 se concluam com meras declarações de princípios e uma ou outra medida bem intencionada mas nunca levada à prática.
Assim, os supostos grandes areópagos da política e da estratégia mundial têm redundado em conciliábulos a dois ou três, que jamais revelaram a capacidade ou o rasgo para gizar estratégias a prazo mais longo que o do dia seguinte ou com conteúdo mais inovador que a repetição tautológica de “mais do mesmo”.
Mês após mês, ano pós ano, continuamos a assistir ao desenrolar duma crise que se repercute entre as esferas financeira e real da economia, desreguladas por iniciativa do capital financeiro e com o beneplácito dos que eleitos para defenderem o interesse geral pactuaram com o proveito daquela minoria. Não será pois de espantar que os governos, limitados pelas suas próprias incapacidades e com um ego bem alimentado pela miríade de conselheiros e de especialistas tão incapazes quanto eles próprios, repitam uma após outra vez os mesmos procedimentos e ainda manifestem pública estranheza pelo insucesso de tão magníficas e garantidas soluções.
As notícias contraditórias sobre a concretização ou não do referendo na Grécia alimentam a óbvia leitura de que a iniciativa de devolver a voz aos cidadãos não passará duma opção táctica tomada por um governante pressionado pelos seus pares europeus e confrontado com a crescente desaprovação popular; e é de lamentar, pois assim se perderá uma oportunidade para a realização dum verdadeiro debate sobre todas as alternativas possíveis, silenciando de vez a tese da inexistência de alternativa[1], tão querida aos poderes estabelecidos.
Ainda assim, a sucessão de apressadas reuniões entre os dirigentes europeus e o mal-estar que alastrou pelas salas do poder espalhadas por todos os continentes, já serviu para demonstrar aos poderosos que o seu poder tem limites e que estes se encontram bem mais perto do que poderiam pensar; para muitos o problema já terá deixado de ser a próxima reeleição para passar o um muito mais prosaico cenário de manutenção no poder até essa data.
O resultado da cimeira do G20 – que encerrou com notícias sobre a atribuição de recursos suplementares ao FMI (mas sem quantificar valores ou especificar a forma), ou a ausência de compromisso de apoio ao fundo de resgate europeu e o acordo para que FMI e UE surpervisionem contas italianas – não diferiu muito na ausência de verdadeiras decisões de fundo da última cimeira europeia, podendo mesmo afirmar-se, como o fez Manuel Maria Carrilho neste comentário no DN, que não aproveitou «...a ocasião para se libertar da tenaz de um poder financeiro que sabe que a sua impunidade se tem tornado directamente proporcional à impotência dos Estados e dos políticos que os dirigem» deixando novamente por concretizar uma revolução de mentalidades cada vez mais reclamada até pelos sectores menos conservadores. Isso mesmo deixou bem claro Viriato Soromenho-Marques no comentário que escreveu no DN a propósito dos resultados da última cimeira europeia: «Se a Europa quiser evitar uma implosão, teremos de mudar de paradigma. Uma Revolução Copernicana na política europeia aconteceria apenas se, por exemplo, Mário Draghi tivesse coragem para seguir os conselhos de Martin Wolf[2], e o BCE emprestasse ilimitadamente aos bancos, considerando que proteger as vidas e a propriedade dos cidadãos europeus vale bem mais do que uma estabilidade de preços tornada ridícula numa altura em que se tem de escolher entre a vida e a morte».
Quando a mesma expectativa de ausência de resultados é anunciada por Kenneth Rogoff[3] num artigo no FINANCIAL TIMES que conclui dizendo que «[o] risco de contágio dum incumprimento grego é muito real. Mas os líderes do G20 precisam de articular exactamente o que o FMI pode acrescentar que não esteja já à disposição dum sistema muito rico, mas politicamente disfuncional, como é o da zona Euro» será exagerado afirmar a percepção de que as soluções até agora aplicadas apenas têm agravado a situação?
E nesse caso não seria recomendável que a “revolução” (pôr o BCE a financiar ilimitadamente o sector bancário, dotando-o de meios para financiar os Estados) vá além do que talvez há um ano pudesse ter sido uma boa solução? É que o avolumar do endividamento e em especial o definhamento das economias já não poderá ser contrariado com meras medidas de injecção de liquidez, mesmo que esta seja realizada a partir dum banco central e sem aumento do endividamento público (criação pura de moeda, medida que mesmo gerando inflação será o menor dos males actuais). Assim, medidas como as que há muito venho defendendo – como sejam o regresso do poder de criação de moeda ao sector público, a severa limitação desse poder ao sector financeiro, o regresso a uma clara separação na área financeira entre as actividades de crédito e as especulativas e uma gestão do crédito no sentido da sua utilização enquanto bem de interesse geral – terão que ser acompanhadas de profundas alterações a dois níveis: primeiro, na política de distribuição de rendimentos por forma a reduzir o fosso que separa os rendimentos do trabalho dos do capital (mas onde os investimentos nos sectores produtores de bens transaccionáveis registem menor penalização que no sector dos bens não transaccionáveis) aliviando progressivamente as famílias do espartilho sufocante do endividamento; segundo, no regresso a um modelo de financiamento público sustentado num sistema de cobrança universal de impostos (eliminando os benefícios e demais subterfúgios que nas últimas décadas têm sido atribuídos aos rendimentos do capital e que em grande medida determinaram o agravamento do endividamento e dos défices públicos) e numa optimização dos recursos públicos.
[1] A propósito desta polémica, recordo aqui o que Nicolau Santos escreveu no EXPRESSO sobre a proposta de OGE apresentada por Vítor Gaspar e a questão das alternativas, onde afirmou que «[h]á sempre alternativa mesmo com uma pistola encostada à cabeça».
[2] Martin Wolf é um colunista habitual do FINANCIAL TIMES
[3] Economista, professor na Universidade de Harvard e ex-economista chefe do FMI.
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