Apesar dos mais recentes desenvolvimentos sobre a crise na Zona Euro (em especial o discurso do Estado da União apresentado por Durão Barroso ao Parlamento Europeu e a contínua publicação de análises e opiniões sobre o seu desenrolar), apesar de recentemente se terem assinalado os primeiros 100 dias da governação da equipa de Passos Coelho, a uma semana das eleições regionais na Madeira, para mais apimentado pela polémica revelação do “buraco” financeiro das contas daquela região e a crescente mobilização das forças políticas da oposição, haverá melhor tema para reflexão que a paradigmática actuação do bicho político que inegavelmente é Alberto João Jardim.
Depois de revelado o descalabro financeiro duma região que, sob as mais diversas alegações, sempre procurou fintar e ignorar as regras aplicadas ao conjunto do território nacional, que outra coisa seria de esperar senão a derrota eleitoral daquele cujo consulado é quase tão antigo como os dos dirigentes árabes que ultimamente tem vindo a ser removidos do poder?
Embora não acalente grandes esperanças nesse capítulo (para este sentimento convém não esquecer que além do populismo que o caracteriza, Alberto João Jardim é, por via directa ou indirecta, o empregador de esmagadora maioria da mão-de-obra da ilha), julgo especialmente importante uma rápida análise ao sucedido na Região da Madeira, tanto mais que pelo país fora o que não falta são repetições e outras figurações da mesma realidade. De dimensão menor, os problemas e o endividamento de muitas das autarquias são em tudo idênticos aos da Madeira e resultam, sobretudo, do mesmo tipo de modelo de governação: aquele que privilegia a obra de duvidosa ou nula utilidade (muitas das vezes completamente desadequada do ponto de vista técnico) mas “de encher o olho” e capaz de assegurar maior número de votos.
Salvo o respeito que me merecem os autarcas (e alguns haverá) que não enfileiraram a onda da construção de pavilhões gimnodesportivos em localidades escassamente povoadas, a construção de piscinas olímpicas sem as dimensões mínimas, a urbanização de zonas de cheia e a impermeabilização dos solos (a pretexto duma pressão demográfica que não era outra senão a especulação imobiliária), a constatação do estado geral das finanças autárquicas e regionais traduz afinal aquele que se pode definir como a conjugação do síndroma dum novo-riquismo governativo (claramente demonstrado na afirmação de Alberto João Jardim de que o «Pecado da Madeira foi querer qualidade de vida da Europa») com o inato amor pelo betão (dinamizado durante o consulado do nosso enigmático Presidente da República e facilitado pela torrente de apoios comunitários) e pelo exibicionismo fácil.
Quando a estas características, que poderão estar na origem dos cerca de 10 mil milhões de euros de dívidas das autarquias[1], se junta uma visão deturpada do conceito de autonomia política constitucionalmente conferido às regiões e um político que tem sabido combinar magistralmente as características dum populismo espalhafatoso com as dum caciquismo básico, é inevitável associar-se a gestão autonómica à duma super autarquia e à da sua super dívida.
Se poucas dúvidas restam que a dimensão da dívida madeirense assume proporções preocupantes (ao contrário do que pretende e afirma Alberto João Jardim quando a classifica como «...coisinha de nada no meio de todas»[2]), que dizer quando a sua revelação ocorre em data próxima de eleições regionais, quando o seu principal responsável político assegura que «...omitiu despesa em legítima defesa» e o governo se limita a dizer que, o primeiro-ministro e líder do PSD, «Passos não vai fazer campanha por Jardim na Madeira» e, pior que isto, sanciona os desmandos do seu correligionário quando permite que o acto eleitoral decorra sem que seja conhecido o teor do programa de austeridade a que aquele território irá ser submetido, facto que Alberto João Jardim tem aproveitado para a mais demagógica das suas campanhas eleitorais, não havendo dia nem inauguração em que prometa que nada irá mudar na ilha e que «não vai despedir seja quem for...».
Seja qual for o resultado das eleições do próximo fim-de-semana, mesmo num hipotético cenário de repetição de mais uma maioria absoluta do PSD e de Alberto João Jardim, nem ele nem o seu partido saem muito bem desta situação, principalmente depois do que disseram da estratégia ilusionista adoptada pelo PS e por José Sócrates, deixando mais uma vez evidente que as semelhanças entre eles são muito mais que meras coincidências e largando em cima dos cidadãos contribuintes trabalhadores por conta de outrem (continentais e insulares) mais uma “bomba-relógio” que não deixará de estourar (e de esfrangalhar) os seus já magros e depauperados rendimentos. Tudo isto constitui afinal apenas mais uma razão para que a dívida pública, toda a dívida pública, seja objecto dum rigoroso processo de auditoria, quer no sentido do apuramento definitivo dos valores quer no da rigorosa determinação da sua cabimentação e indispensável aprovação, a fim dela ser extirpada de tudo o que foram ganhos indevidos porque aos cidadãos compete recusarem-se a pagar toda a dívida resultante de oportunismos e compadrios que têm medrado (e enriquecido) a expensas do prejuízo geral.
[1] A estimativa do valor é responsabilidade minha e resulta da conjugação dos montantes noticiados para as 308 autarquias, entre 7 a 8 mil milhões de euros (esta notícia da TSF, de meados de 2010 refere 7 mil milhões), e para as empresas municipais, entre 1,5 mil milhões de euros (valor recolhido aqui) e 2,3 mil milhões de euros (conforme esta notícia do PUBLICO).
[2] A citação foi retirada desta notícia do I, mas importa recordar que um território com cerca de 2,5% da população nacional originou uma dívida que representa mais de 60% (o valor oficial anunciado pelo ministro Vitor Gaspar foi de 6,3 milhões de euros e pode ser confirmado nesta notícia da RTP) das dívidas autárquicas do continente.
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