quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O NOSSO GRITO


Embora tenha havido quem, como Bernardo Pires de Lima (nesta crónica no DN), ouvisse um grito na intervenção que Durão Barroso fez no Parlamento Europeu, aquando da sua apresentação do Estado da União, o seu tíbio conteúdo e o tradicional cinzentismo do seu autor/apresentador levam-me a colocar o foco naquilo que ele não disse, ao invés do que disse.

É que afirmar que o governo económico da UE reside numa Comissão Europeia (organismo a que Durão Barroso preside) que até esta data pouco ou nada tem feito (e ainda menos se tem ouvido...) seja sobre a estratégia a aplicar na resolução da crise, seja no próprio modelo de governança da EU (Barroso é o impotente Presidente da Comissão que assistiu impávido à nomeação dum Presidente do Conselho, o improvável Herman Van Rompuy) , não passa de um sussurro perante o estrondo com que a França de Sarkozy e a Alemanha de Merkel têm manobrado a UE seu belo prazer e na exclusiva salvaguarda dos seus interesses próprios, que não têm senão agravado a delicada situação do conjunto dos membros.

Exemplo disso mesmo é a confirmação diária da ineficácia da estratégia adoptada para contrariar a chamada crise do euro; quando vemos agravarem-se as perspectivas económicas dos estados europeus e as dos mais frágeis em especial, continuamos a ouvir repetir a eterna ladainha da necessidade de mais e maiores sacrifícios e do aumento da produtividade, tudo sem a mínima atenção para aquele que constitui um dos grandes problemas económicos (e sociais) da actualidade: a persistente manutenção das elevadas taxas de desemprego.


Não espanta pois que face ao inexistente crescimento económico se ouça que a «Grécia falha metas da “troika”» ou que, pasme-se, o primeiro-ministro britânico «Cameron alerta que crise da Zona Euro é uma “ameaça para a economia global”», informação que omissa na explicação das verdadeiras origens do problema serve afinal para preparar a via para novos e cada vez mais severos “programas de austeridade”. Continuando nesta via – e nada indica que sobre os nossos governantes venha a incidir qualquer inspiração sobrenatural que os leve a reconhecer os erros e a adoptarem outras políticas – estaremos condenados a caminhar de “aperto” em “aperto” até ao aperto final.

Na ausência de verdadeira informação sobre possíveis alternativas ao modelo neoliberal de resolução da crise, uma vez por outra, lá vão surgindo notícias de contestação popular àquelas medidas, como seja o recente despacho da REUTERS informando que «Milhares marcham em Portugal contra plano de austeridade», as que mais regularmente referem a contestação na Grécia ou as que mais recentemente referem a agitação nos EUA. É que, tal como sucedeu em Atenas, Madrid, Lisboa e outras capitais europeias, o movimento dos “indignados” já atravessou o Atlântico e começa a ser notícia global. Personificado no movimento “Occupy Wall Street” e popularizado pelas notícias da detenção de centenas de activistas durante uma manifestação que teve lugar no passado fim-de-semana, começa a espalhar-se por outras cidades norte-americanas (a notícia do PUBLICO sobre o assunto pode ser lida aqui) e constitui um claro sinal de que a pressão sobre os poderes políticos está a aumentar.


O irónico da questão é que são esses mesmos poderes políticos os que até à data têm revelado a maior das incapacidades para tomarem decisões, de que é claro exemplo a notícia de que o «Eurogrupo adia reunião de emergência sobre a Grécia», parecendo até estarem mais interessados no prolongamento da crise que na sua resolução. Esta perspectiva corresponde perfeitamente à ideia, que tem vindo a ganhar cada vez mais adeptos, de que parte do problema deriva do facto de haver interesses demasiado poderosos que mediante o recurso a estratégias totalmente especulativas estão a realizar elevados ganhos financeiros.

Seja esta, ou outra, a principal razão para a inacção das elites dirigentes ocidentais o facto é que as populações (os 99% dos cidadãos que têm vindo a ser sucessivamente sacrificados em benefício do 1% dos mais ricos, como afirmam os iniciadores do movimento “Occupy Wall Street”) parecem cada vez menos dispostas a aceitar pacificamente este estado de coisas e prontas a fazerem ouvir o seu grito de revolta.

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