Pouco a pouco as notícias sobre o movimento que nos EUA propõe ao contestação ao que de pior representa Wall Street começam a tornar-se visíveis na imprensa mundial, muito particularmente após a polícia nova-iorquina ter detido umas centenas de manifestantes durante uma marcha através da mítica Ponte de Brooklyn.
A notícia, rapidamente difundida por SMS e “e-mail”, trouxe a solidariedade de alguns nomes sonantes na cultura norte-americana, casos de Michael Moore[1] e Noam Chomsky[2], mas principalmente milhares de novos e entusiásticos aderentes.
Assim, do meio milhar que atravessou a Ponte de Brooklyn passou-se para os «Mais de 5 mil nas ruas contra “ganância empresarial”», que na última quarta-feira desfilaram pela Broadway, enquanto surgem notícias que «Protestos anti-Wall Street entram na terceira semana e alastram a várias cidades», numa clara demonstração da insatisfação de faixas da população dum país onde este tipo de movimentações não costuma ocorrer facilmente.
É óbvio que os poderes instalados ainda estarão muito longe de se sentirem efectivamente ameaçados e nem o reconhecimento pela parte de Obama de que «As manifestações reflectem a frustração do povo» altera este juízo, mas tal como aconteceu na década de 70 do século passado, época em que as primeiras manifestações populares contra a Guerra do Vietname não encontraram grande eco num país tradicionalmente avesso a tudo o que possa “cheirar a comunismo”, o descontentamento existe e o natural agravar da crise económica e a persistência de níveis elevados de desemprego constituem factores que não deixarão de alimentar a onda de protesto.
Aliás, quando começam já a ser estabelecidos alguns padrões de comparação entre as razões que originaram as condições para o lançamento de movimentos como o da Primavera Árabe (nos países islâmicos do Maghreb e do Médio Oriente) e o dos “Indignados” europeus (particularmente na Grécia, Espanha e Portugal) pode afirmar-se que maiores serão as expectativas de ver engrossar as fileiras de descontes que o inverso. Ainda que aparentemente a estratégia das elites dirigentes seja a de esperar que o movimento se esvazie naturalmente, acontecimentos como a actuação policial e o quase inevitável aumento do “desconforto” dos mentores de Wall Street acabarão por ter o efeito inverso e talvez, como aconteceu em Tunes e no Cairo, venhamos a assistir a algumas mudanças de vulto.
Não formulando expectativas demasiado altas, talvez o «Occupy Wall Street» consiga lançar um efectivo debate sobre o modelo de funcionamento do sistema financeiro e desperte no cidadão comum uma ideia clara donde nos conduziram os malefícios dum sistema que confortado na ideia dum apoio indefectível do poder político e demasiadamente orientado para o lucro especulativo continua a agir hoje como se não tivesse existido a crise do “subprime” nem uma gritante escassez de liquidez que contrariamente ao que querem fazer crer não se resolveu com a falência do Lehman Brothers. Mas é importante que a ocorrer, este debate não se quede pela denúncia dos erros (um pouco como tem acontecido) e se oriente para a construção de soluções, não excluindo as mais heterodoxas, como a da retirar ao sistema financeiro o monopólio da criação de moeda e a de orientar os mecanismos de crédito no sentido da sua conversão aos princípios da utilidade pública.
Poderá parecer um corte demasiado radical, mas atendendo ao estado a que se deixou chegar o sistema financeiro mundial – demasiado alavancado num processo de criação de moeda deixado ao livre arbítrio da banca e estupidamente orientado para os lucros fáceis e rápidos que apenas a actividade especulativa pode gerar -, que de financiador da actividade industrial e comercial se transformou em originador de sofisticados e incompreensíveis produtos financeiros, só uma profunda alteração poderá voltar a trazer a estabilidade e o crescimento económico que sustentará o bem-estar das populações em geral.
[1] Michael Moore é um cineasta, documentarista e escritor norte-americano conhecido pela sua postura crítica em relação às grandes corporações, à violência armada, à invasão do Iraque e à hipocrisia dos políticos. (in Wikipédia)
[2] Noam Chomsky é um linguista (professor no Instituto de Tecnologia de Massachusetts), filósofo e activista político norte-americano. Além da sua investigação e ensino no âmbito da linguística, é também conhecido pelas suas posições políticas de esquerda (descreve-se como um socialista libertário) e pela sua crítica da política externa dos EUA. (adaptado de Wikipédia)
1 comentário:
Concordo e discordo de algumas das suas palavras. Acho que isso tudo é mais complexo do que um mero dispositivo maniqueísta de "ou vc não nada ou você faz alguma coisa". Não pode ser assim. A toca do coelho é mais profunda, Alice.
O exemplo que vc deu, Chomsky e Michael Moore ilustra bem isso: de um lado um ativismo politico a sério e embasado e do outro, Michael Moore, é o ativismo de pacotilha, que se alimenta da espetacularizão da forma de polêmicas mais gratuitas.
Outra coisa, A imprensa alemã (onde vivo) tem olhado um bocado desconfiada para estes protestos. Especialmente o que houve aqui semana passada «occupy Berlin». Berlin é uma cidade pobre, sem bancos, onde a juventude alemã não sabe "muito bem" qual é a causa do problema (e o que é o problema em si).
Eu mesmo já falei disso por aqui a respeito das máscaras que eles usam e não sabem bem porquê.
Um Abraço,
Wellington
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