sábado, 22 de outubro de 2011

A ALTERNATIVA


A crise nacional e os políticos que a protagonizam há vários anos fizeram saltar para os seus discursos e comentários diários a grande tese da ausência de alternativa à política seguida pelo governo de Passos Coelho, tal como antes fizeram com os famigerados PEC do governo de José Sócrates.

Sem pretender esgotar o tema (que de tão vasto desviaria, como o desvia, as atenções do essencial) sempre recordo aqui que o actual primeiro-ministro e o PSD criticaram o anterior governo do PS por este recorrer sistematicamente ao aumento da carga fiscal como via para o equilíbrio orçamental. Fizeram-se eleger com base no argumento de que uma vez no poder privilegiariam a redução da despesa pública em detrimento do habitual aumento de impostos.

A esta mentira (evidente nos aumentos do IVA e demais impostos e na não actualização dos escalões de rendimento no IRS) acrescentaram a imoral iniquidade da redução dos vencimentos na função pública e no sector empresarial do Estado e ainda o fazem acompanhar do falacioso argumento da inexistência de alternativa.

Este dogma, porque se trata dum argumento nunca explicado ou demonstrado, baseia-se na concepção neoliberal do Mundo (que Agostinho Lopes, citado por Santiago Castilho no artigo «Um neoliberal é isto, Álvaro!» publicado na edição de 17 de Agosto do PUBLICO, definiu como algo que sustenta em “...três axiomas com que justifica tudo: globalização, revolução científica e técniva e competitividade. É alguém que tem três mandamentos sagrados: privatizações, liberalização dos mercados e desregulamentação dos mecanismos de orientação económica. E tem um único instrumento como variável de ajustamento dos desequilíbrios: o preço do trabalho...”) que na ausência de capacidade argumentativa e sustentado no poder dos meios de comunicação, tem silenciado o debate das ideias.

A prova que ao contrário do que pretendem os seguidores do dogma neoliberal existem outras alternativas é-nos dada pelos testemunhos de povos e governantes que se viram forçados a seguir os ditames do Consenso de Washington[1] e que hoje dão testemunho dos malefícios que sofreram, como noticiou o NEGÓCIOS em Março deste ano quando em visita a Portugal o ex-presidente brasileiro Lula da Silva disse que “O FMI não resolve o problema de Portugal, como não resolveu o problema do Brasil, como não resolveu outros problemas”, ou um mês de depois se pode ler no I ON LINE a afirmação dum professor de economia grego que assegurou que: “Cortar salários não é uma reforma. Entra-se num ciclo vicioso, como na Grécia”. Outra demonstração prática da existência de alternativas é a que corajosamente estão a levar a cabo os cidadãos islandeses que recusam saldar a dívida externa sem a sua prévia auditoria e a negociação de acordos de pagamento.

Alternativa, é igualmente o que procuram os milhões de “indignados” que por esse Mundo fora tentam fazer ouvir a sua voz, mesmo quando ela soa de forma anacrónica e, como não se cansam de repetir os apólogos e panegiristas do neoliberalismo, sem discurso e ideias coerentes. A vontade colectiva, quando deixada florescer e frutificar, pode começar por soar de forma desarmoniosa, mas tal como uma orquestra sem maestro acabará por encontrar o seu próprio som e uma harmonia que dificilmente poderia ser imposta de fora, porque lhes é específica e por todos entendida e aceite.

Alguém um dia disse que o caminho faz-se caminhando e esse devia ser hoje o lema de quem tiver que governar o destino dos povos confrontados com uma crise duma dimensão tal que só após o seu rescaldo será possível aquilatar se foi maior ou não que a famosa Grande Depressão do século XX; até lá a única preocupação dos líderes deveria ser a de conduzir a bom porto a vida do maior número possível de pessoas nas melhores condições possíveis, mesmo que isso implique pensar de forma diferente e, principalmente na necessidade dum novo modelo de distribuição da riqueza mais equitativo que o actual.


A urgência na construção dum novo arquétipo é tanto maior quanto a nova proposta de redução de salários na função pública não foi formulada com o anunciado objectivo de redução do défice, antes com o não confesso objectivo de aumentar os ganhos das empresas (e dos seus accionistas)[2], a par com o aumento do horário de trabalho em meia hora diária. 

E quanto a não haver alternativa deixo aqui o comentário de Nicolau Santos[3]: “Não há alternativa? Há sempre alternativa mesmo com uma pistola encostada à cabeça”, a observação de Ricardo Costa, que candidamente recorda que depois de termos sido «Recordistas nos adiamentos, queremos agora ser recordistas na correção do défice. Não tenho grandes dúvidas sobre o caminho a seguir, mas tenho imensas sobre a velocidade da viagem. Cortar o défice, recapitalizar a banca e reformar a economia no meio de uma recessão e de uma crise de dívida pública são coisas que nunca foram feitas em simultâneo» e a lembrança de que a crise, mesmo reconhecendo os profundos desiquilíbrios estruturais da economia portuguesa, não é de origem nacional e a sua solução apenas poderá ser efectiva quando concertada a uma dimensão bem maior.

Enquanto membros da UE e da Zona Euro seria de esperar que parte da solução fosse arquitectada no seio desse grupo, porém, a julgar pelas recentes declarações de Jean-Claude Junker, o presidente do Eurogrupo, a «A Zona Euro está a dar uma imagem desastrosa» e as notícias sobre a inconclusão da reunião que terá lugar este fim-de-semana é apenas uma repetição das incapacidades já reveladas em situações anteriores.

Assim, situando-se a origem da crise na fragilidade do sector financeiro mundial, qualquer solução, até a mais decalcada do Consenso de Washington, só terá sucesso se for aplicada a nível global e a posição dos membros da UE e da Zona Euro apenas poderá ser a de construir uma alternativa que não seja obrigatoriamente as que Alemanha e França têm tentado impor.


[1] Consenso de Washington é um conjunto de medidas – composto por dez regras básicas: Disciplina fiscal; Redução dos gastos públicos; Reforma tributária; Livre formação das Taxas de Juro e de Câmbios; Abolição das barreiras comerciais (pautas aduaneiras); Investimento estrangeiro directo, com eliminação de restricções; Privatização das empresas públicas; Desregulamentação (afrouxamento das leis económicas e trabalhistas); Direito à propriedade intelectual – formulado em Novembro de 1989 por economistas do FMI, do Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos EUA, fundamentadas num texto do economista John Williamson, do International Institute for Economy, e que se tornou a política oficial do Fundo Monetário Internacional em 1990, quando passou a ser "receitado" para promover o "ajustamento macroeconômico" dos países em desenvolvimento que passavam por dificuldades (adaptado de Wikipédia)
[2] Embora não confesso na hora de apresentação da proposta do OGE, segundo notícia do DN «Passos ‘conta’ com corte nos salários dos privados» e a preocupação que Cavaco Silva manifestou na abertura do IV Congresso Nacional dos Economistas ao afirmar que «Suspensão de subsídios viola equidade fiscal» pode resumir-se ao seu desejo de ver a medida oficialmente estendida ao sector privado.
[3] O texto, intitulado «Uma raiva a nascer-me nos dentes» foi publicado numa compilação do EXPRESSO sobre a proposta de OGE para 2012, a par com outros da autoria de Pedro Adão e Silva, Miguel Sousa Tavares, Ricardo Costa e Daniel Oliveira.

Sem comentários: