quarta-feira, 19 de outubro de 2011

O GRANDE EMBUSTE


O grande desígnio nacional, invocado na apresentação da proposta de OGE para 2012 como sendo a necessidade de recuperar a credibilidade financeira internacional através do reequilíbrio orçamental público, não passa de mais um embuste, como se pode constatar das palavras do próprio ministro das finanças, que sem grande hesitação ou pudor, já assegurou que «Suspensão de subsídios “não é de curta duração”».

A estratégia neoliberal de Passo Coelho, se alguma vez passou despercebida para alguns, acaba de ser revelada de forma clara por Vítor Gaspar (o tecnocrata “importado” directamente de Bruxelas) quando assegura que a economia já deverá crescer 1,2% em 2013 mas mantém para esse ano a redução das remunerações na função pública; é que, assumindo-se claramente como o representante dos credores na assembleia ministerial – facto que permite até questionar se ainda teremos algum governo ou apenas meras marionetas articuladas a partir de Frankfurt e Washington[1] – defende até ao absurdo uma estratégia de redução dos encargos salariais como via para a recuperação da competitividade e, claro, do aumentos dos lucros empresariais.


Aliás, o sentimento de generalizada revolta ou incredulidade face à proposta apresentada, que após um tímido anúncio dum «Congelamento salarial no sector público em 2012 e 2013» rapidamente se converteu numa redução de salários e pensões da ordem dos 16,7%, pode bem ser sintetizada no título do NEGÓCIOS que assegura que «Nada nem ninguém contribuirá tanto como a Função Pública e pensionistas».

E o pior disto é que, contrariando o discurso oficial de que a “austeridade” se justifica e de que é generalizada, no mesmo dia em que Passos Coelho pré-anunciava as medidas se podia ler na imprensa que «Governo dá perdão fiscal a capitais ilegais no estrangeiro» ou, como ontem foi publicado, que «Pensões vitalícias dos antigos gestores escapam a cortes» e ainda tentam convencer-nos que tal se deve tão somente ao facto desta serem pagas em duodécimos (que conveniente...) e de que o «Governo propõe que ex-políticos paguem “contribuição solidária”», seguramente por se tratarem de impolutos cidadãos e reconhecidos pelo seu comportamento ético acima de qualquer suspeita...

Depois disto e de lermos que até a generalidade de comentadores se mostra revoltada com a injustiça das medidas[2] haverá quem se espante perante a afirmação da CGTP de que «Proposta do governo é declaração de guerra» ou que, constatadas as inúmeras mentiras e intenções não confessas[3], não ponha em dúvida a validade da projecções macro-económicas que fundamentaram a proposta de orçamento e nomeadamente o facto de que o «Governo prevê recessão de 2,8% em 2012»?

Sabendo-se, como afirma o NEGÓCIOS, que «Portugal gasta mais de 8 mil milhões de euros com juros da dívida em 2012», ou, como escreve o PUBLICO que «Orçamento vai empurrar a economia para pior recessão desde 1975», continuará a fazer sentido ler que Vítor «Gaspar recusa peremptoriamente renegociar a dívida» e ainda duvidar da real intenção dum governo que se fez eleger com base em duas claras mistificações: a da seriedade e integridade face às mentiras propaladas por José Sócrates e a de a solução para o descalabro orçamental passava por reduzir as “gorduras do Estado” (em momento algum ele ou qualquer um dos seus apoiantes mais próximos fez referência às “gorduras dos contribuintes”) e nunca por aumentar os impostos.

Agora que a clara conclusão é a de Passos Coelho mente da mesma forma que Sócrates mentiu e quando, como noticia o ECONÓMICO, até «Bruxelas diz que objectivo de Portugal para 2011 está em risco» e aponta o fracasso na redução da despesa, ainda restarão dúvidas sobre a incapacidade deste governo assegurar o que antecessor também não assegurou: a defesa dos interesses da população nacional?


[1] Frankfurt e Washington são, respectivamente as sedes do BCE e do FMI, entidades que a par com o FEEF, integram os prestativos “emprestadores” que estão a livrar o país da fúria dos mercados financeiros.
[2] Exemplos não faltam; desde esta notícia do ECONÓMICO, que sintetiza opiniões de vários economistas, até este pequeno resumo do que um conjunto de colaboradores do EXPRESSO pensa sobre o Orçamento de Estado.
[3] Mas que declarações como a de Pedro Ferraz da Costa, presidente do Forum para a Competitividade e antigo presidente da Confederação da Indústria Portuguesa, dizendo que o «Orçamento é bom para a competitividade», ou as de Francisco van Zeller, presidente do Conselho para a Promoção da Internacionalização e ex-presidente da Confederação da Indústria Portuguesa, que admitiu a suspensão dos ubsídios no privado (nesta notícia do ECONÓMICO) acabam por desmascarar, mesmo quando confundem competitividade com aumento dos lucros ou num beatífico contributo para não aumentarem o desemprego.

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