quinta-feira, 2 de junho de 2011

O VALOR DO VOTO


Agora que estamos na recta final de mais uma campanha eleitoral, recordar o crescente alheamento que tem marcado os últimos actos eleitorais é motivo suficiente para aqui voltar a trazer a questão do voto e da abstenção que, a avaliar pelo que diariamente se ouve nas ruas deste país e pelos apelos ao voto que os partidos já começaram a fazer, não deixará de voltar a marcar as eleições do próximo fim-de-semana.


É óbvio o lugar comum que assegura que não votar é votar em quem não se quer – pois abdicar do exercício de escolha permite aos que o exerçam escolherem quem estes quiserem, facto que por si só demonstra a inutilidade (e o perigo) da abstenção – e ainda o será mais numa eleição que no fundo constituirá uma forma indirecta de referendo entre o apoio ao programa de resgate financeiro (defendido pelo PS, PSD e CDS) e a sua contestação (defendida pela CDU, BE)[1].

Se casos há em que a indecisão sobre quais os melhores representantes das políticas que cada eleitor entende mais adequadas pode fazer sentido, a actualidade nacional é de tal forma clara que anula praticamente semelhante possibilidade. Ninguém pode ser indiferente à solução escolhida para o país enfrentar uma crise que, sendo de inegável origem externa, ganhou dimensão e maior urgência devido às fragilidades que historicamente temos vindo a acumular nos últimos trinta anos.

Se é certo que a atitude negacionista adoptada por José Sócrates e pelo PS merece severas críticas e contribui de forma importante para agravar a situação económica e financeira nacional, não é menos verdade que a perca de competitividade da economis nacional (e em especial do sector exportador) deve ser assacada a todos (PS, PSD e CDS) quantos passaram pelos sucessivos governos nas últimas três décadas. A forma acrítica como executaram as directivas de Bruxelas, como paulatinamente desarticularam sectores produtivos nacionais em benefício de congéneres europeus ou internacionais, como embarcaram em aventureiros e megalómanos projectos de investimento – de que são claro exemplo os milhares de quilómetros de auto-estradas vazias de tráfego, o Centro Cultural de Belém, a Expo e uma pouco útil segunda travessia do Tejo, o Euro 2004 e a dezena de estádios de futebol construídos de raíz para o evento, a aquisição de submarinos de duvidosa utilidade, o comprovadamente desnecessário Novo Aeroporto de Lisboa e as linhas de TGV – todos eles mais orientados pra o “show off” político que para dotar o país de infraestruturas efectivamente produtivas não foi apenas descuidada nem acidental, pois nunca faltou quem regularmente fosse alertando para as possíveis consequências mesmo quando prontamente apelidado de retrógrado ou de “velho do Restelo”.

Assim, como poderá alguém hesitar na desconfiança daqueles que tendo estado na origem ou no apoio à generalidade das opções que contribuíram para o actual nível de endividamento público se propõe agora assumir o papel de paladinos da sua resolução?

Racional e friamente, porque a questão do voto para a formação do futuro parlamento que aprovará o programa do próximo governo não pode ser encarado senão dessa forma (a paixão e o coração poderão reservar-se para outras questões ou até para o apoio clubístico, mas nunca para a política), quem ao longo das últimas décadas tem criticado algumas ou a totalidade daquelas opções poderá agora apoiar qualquer uma das forças políticas que as defendeu e implementou ou simplesmente abster-se?

Mais que nunca, numa conjuntura particularmente delicada como a que atravessamos, impõe-se o claro exercício da cidadania – recusando o voto naqueles que de forma consciente ou leviana ajudaram a conduzir o País ao estado em que se encontra e que propõem como solução cada vez maiores sacrifícios à generalidade dos cidadãos. Como o futuro o irá quase seguramente demonstrar a crise que atravessamos, em Portugal, na Europa e no Mundo, será dificilmente debelada enquanto persistirmos em avalizar (que o mesmo é dizer em votar) os defensores das políticas de distribuição distorcida da riqueza, que têm contribuído para o enriquecimento duma minoria a expensas do empobrecimento da generalizada maioria, e de claro privilégio de sectores económicos sustentados em processos claramente especulativos e de enriquecimento rápido mas que, como o eucalipto, tudo secam em seu redor.


[1] É evidente que o apoio e a contestação ao resgate financeiro pedido pelo governo cessante após solicitação expressa da banca nacional não se resume aos partidos citados, pois entre os chamados pequenos partidos sem assento parlamentar também há quem apoie e critique aquela opção, mas por simplificação e porque continuam a parecer remotas as hipóteses de algum daqueles pequenos agrupamentos lograr a eleição de um deputado, limito a citação aos cinco agrupamentos políticos referidos.

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