quarta-feira, 19 de setembro de 2007

O QUE SE IRÁ SEGUIR

A notícia correu célere ao final do dia de ontem: o FED cortou a sua taxa directora em 50 pontos básicos.

Tanto bastou para que as principais bolsas mundiais começassem a registar ganhos e a recuperar das perdas sofridas nas sessões anteriores. Tal como nos contos de fadas, tudo está bem quando acaba bem!

Mas estará?

O que mudou após o anúncio pelo FED da descida da taxa directora de 5,25% para 4,75%, além do facto de aparentemente o custo dos financiamentos ter baixado um pouco? Quem se interrogou sobre o que pode significar esta decisão do FED?

Quando nas horas que antecedeu o anúncio os operadores do mercado já davam como um dado adquirido o corte na taxa, quem pode afirmar que esta decisão de Ben Bernanke constitui um passo importante para combater a crise que assola o mercado de capitais e não um simples reconhecimento de que a crise que atravessamos é bem mais profunda que os dirigentes do FED e do BCE nos querem fazer crer?

É verdade que se o FED apenas tivesse cortado um quarto de ponto na taxa eu estaria agora a escrever que o ajustamento era manifestamente insuficiente, mas isso porque o reconhecimento de que a crise é bem mais vasta que o que se quer fazer crer não é novidade para mim[1]; contrariamente ao que escreve hoje o LE MONDE a descida da taxa directora do FED (por mais significativa que fosse) não irá evitar uma recessão, pelo simples facto que a crise não se circunscreve ao mercado de capitais e a sua verdadeira origem está muito além da crise originada no sector imobiliário americano de alto risco (subprime). Quando em meados do ano o LEAP – Laboratoire Européen d’Anticipation Politique anunciou que a economia americana já entrara em recessão pouca gente (ou nenhuma) lhe atribuiu o mínimo de importância e mesmo agora tudo parece continuar no melhor dos mundos.

Fingindo ignorar as reais razões – a debilidade da economia norte-americana e o crescimento exponencial da sua dívida externa – os mercados procuram manter um clima de normalidade (indispensável à sua própria sustentação), mas a contínua desvalorização do USDólar face ao euro e a consequente subida do preço do crude não pode senão ser reflexo de uma realidade que parecendo tardar a ser entendida se degrada de dia para dia.

É óbvio que nos primeiros dias iremos assistir a alguma recuperação no mercado de capitais, mas quando os efeitos começarem a fazer-se sentir na retracção do investimento estrangeiro (principalmente chinês e árabe) nos activos denominados em dólares e a administração americana começar a encontrar crescentes dificuldades na colocação dos seus T-Bils[2] talvez então os analistas mais perspicazes comecem a falar em crise.

Se este é um efeito a acompanhar com especial atenção, não menos importante vai ser a observação da actuação dos bancos; a julgar pelas notícias que vão dando conta das dificuldades sentidas por alguns destes na obtenção de crédito junto dos seus pares (convém não esquecer que continua por contabilizar o efeito da quebra originada no mercado subprime nos activos dos bancos e o que os banqueiros são especialmente avessos ao risco) não será de estranhar que nos próximos dias se venha a registar uma tendência para o agravamento dos spreads, que facilmente poderá anular a queda nas taxas que deveria ocorrer em reacção à descida anunciada pelo FED e agravará ainda mais o custo dos financiamentos numa Europa onde o BCE (caso persista na linha de pensamento até agora usada) não deverá ajustar sua taxa de referência.
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[1] Para o confirmar bastará ler (ou reler) os seguintes posts:«HAVERÁ FUTURO NA CRISE?», de 1 de Setembro, «CRISE? QUAL CRISE...», de 29 de Agosto, «AUDÁCIA, MAIS AUDÁCIA», de 22 de Agosto e «A MÃO INVISÍVEL», de 9 de Agosto.
[2] Treasury bills (ou T-bills) são títulos de dívida pública norte-americana com maturidades iguais ou inferiores a um ano, do tipo cupão-zero (o rendimento resulta da diferença entre o preço de compra e o de amortização), normalmente considerados sem risco. Outros títulos de dívida americana são os Treasury notes (ou T-Notes) com maturidades entre dois e dez anos e pagamento semestral de cupões; as Treasury bonds (T-Bonds, ou long bond) também pagam juros semestralmente e têm maturidades entre dez e trinta anos.

1 comentário:

antonio ganhão disse...

O que noto, é que as crises nos Estados Unidos se "resolvem" dentro do mercado. Cá pagamos nós, os que temos crédito para compra de habitação própria ou ao consumo.

Por isso, para o mesmo problema, o FED baixa a taxa de juro e o BCE a sobe.

Para mim este é o segredo da força da economia americana: quem as faz é quem as pagas (apesar dos sempre existentes efeitos colaterais sobre os mais desfavorecidos, não pretendo ser ingénuo).