O recente caso do ex-vereador do BE na autarquia lisboeta, Ricardo
Robles, trouxe para a ribalta informativa mais um “caso mediático” que julgo
deveria ter merecido outra atenção.
Não aquela que teve e onde todo do foco foi colocado numa questão
paralela – podem ou não os críticos dum sistema económico beneficiar desse
mesmo contexto – cujo inegável relevo político devia ter merecido melhor e
rápido tratamento pela direcção do partido envolvido, mas outro centrado na
grande questão da política imobiliária e do futuro urbanístico das cidades.
Qualquer que seja a sua dimensão, as cidades e os poderes que as dirigem
são numa actualidade caracterizada pela perda de muitos dos poderes dos estados
nacionais a primeira linha de defesa e protecção dos cidadãos na regulação num
processo de financeirização insustentável cujos efeitos destrutivos da vida em
sociedade não augura nada de bom, pelo que toda a polémica (incluindo,
obviamente a jornalística e a partidária) deveria ter alimentado o debate sobre
o futuro que queremos para as cidades e não o mero fait divers que a rodeou. Na capital ou de qualquer outra cidade o
que continua por discutir são os reais problemas que os seus habitantes enfrentam,
nomeadamente no capítulo habitacional, não havendo hoje nenhuma que escape ao
triste espectáculo dum parque habitacional envelhecido e degradado enquanto se
viu proliferarem novas urbanizações nas suas periferias; por mero interesse especulativo ou por genuína dificuldade económica, a
maioria dos centros urbanos foram votados a uma espécie de abandono que hoje
constatamos perante o número de casas abandonadas e/ou em processo de
degradação, um pouco por todo o lado, onde a difícil situação que vivemos nos
últimos anos, com a crise num sector da construção civil sempre mais preocupado
com a subida das margens facilitada pelo crescimento em altura e o quase
abandono de todas as políticas de apoio à habitação dita social, não explicam
tudo nem justificam a ausência de verdadeiras políticas habitacionais.
A iniciativa
recentemente lançada por um conjunto de cidades (Amesterdão, Barcelona, Berlim, Cidade do México, Durban,
Lisboa, Londres, Montreal, Montevideu, Nova York, Paris e Seul) e pelas áreas
metropolitanas de Barcelona, Manchester e Paris, que assinaram uma declaração
pelo direito à habitação e à cidade (que pode ser lida AQUI) pode ser um
primeiro passo para criar a consciencialização necessária a mais e melhores
iniciativas, mas nada dispensa a intervenção e o interesse de cada cidadão no
combate ao processo de
valorização imobiliária das zonas urbanas (invariavelmente traduzido na deslocação
para a periferia dos residentes com menor poder económico e da entrada de residentes
com maior poder económico).
O apelo agora lançado pelos autarcas que
exigem mais ferramentas fiscais e jurídicas para regular o mercado imobiliário
(para venda e aluguer), só fará sentido se estas forem aplicadas com maior
determinação e isenção do que a que têm dado provas até agora, e a exigência de
mais meios financeiros para a criação dum verdadeiro mercado público de
habitação, implica dar à problemática da habitação uma importância igual à que
demos à da saúde e à da educação e contrariar com determinação a pressão
especulativa causada pela migração do investimento financeiro dos bancos para o
imobiliário.
A dimensão do problema, a par com a das próprias cidades,
deixa antever à partida todas as dificuldades na implementação da iniciativa
Cidades para Habitação Digna, mas isso não invalida a ideia nem a necessidade.
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