Talvez, quando
há sessenta anos (25 de Março de 1957) se assinava o tratado fundador da UE,
poucos admitissem que uma iniciativa desta dimensão estivesse agora a ser tão
questionada e com um futuro tão incerto.
O recente
crescimento de tendências nacionalistas e sentimentos xenófobos no seio dum
espaço que se pretendia um farol de progresso e liberdades, não será apenas
fruto da pressão migratória nem da crise que assola o modelo capitalista mas
também consequência das opções políticas tomadas pelos sucessivos dirigentes
europeus e dos estados-membros.
Pretender
agora, quando se avizinham eleições em alguns dos estados com maior peso
político e económico ou está em curso a saída de um dos seus membros, discutir
um modelo de futuro para a UE afigura-se delicado e muito tardio.
Quando por
essa Europa fora se fizeram ouvir vozes contra a solução para debelar a chamada
crise do Euro – que mais não foi que um processo de fragilização duma divisa
ameaçadora para o dólar, possibilitado pela frágil arquitectura da moeda
europeia – invariavelmente silenciadas com o recurso a argumentos redutores do
tipo “não há alternativa”, ninguém ponderou as consequências que teria
semelhante estratégia na indispensável coesão europeia. As soluções aplicadas a
gregos, irlandeses, portugueses, espanhóis e malteses não só fracassaram no
campo económico-financeiro como contribuíram para delapidar uma confiança já
muito precária na até então muito apregoada solidariedade europeia.
A
cegueira com que a Comissão Europeia e o BCE colaboraram numa estratégia
punitiva está a marcar decisivamente o futuro duma UE onde agora o seu
presidente, Jean-Claude Juncker, quer ver debatida uma proposta para o futuro,
em cinco pontos, que o professor da London School of Economics e ex-consultor
de Durão Barroso, Paul de Grauwe, resumiu assim no artigo «Que
futuro para a Europa?»:
«Há, em primeiro lugar, dois cenários
extremos. Numa das ponta está apenas uma zona de comércio livre. Neste cenário,
só o mercado único resistiu, limpo de todas as instituições que restringem a
soberania dos Estados-membros. Isto é, de facto, o que o Reino Unido tinha em
mente quando escolheu o ‘Brexit’ — uma zona de comércio livre sem perda de
soberania; um cenário no qual todos mantêm o poder de veto e comercializa
alegremente com os outros.
No outro extremo, está o cenário
‘mais Europa’. Aqui todos os Estados-membros escolhem decididamente caminhar em
frente na direcção da união política, incluindo a união fiscal, de defesa,
social, etc. É bom de sonhar. E eu sou uma pessoa que gosta de ter esses
sonhos.
Entre estes dois extremos, há três
outros cenários. Há, primeiro, o ‘cenário arrastar isto’: continuamos a fazer
tudo como dantes. Vamos de crise em crise. Foi realmente esse o cenário que
Robert Schuman previu como forma de a Europa avançar. Até agora, teve razão. A
Europa tornou-se gradualmente mais integrada, conduzida por uma sucessão de
crises que gritavam por uma solução. A questão é se esta forma de caminhar em
frente não atingiu os seus limites.
O seguinte é ‘Europa à la carte’. É
o que fazem os países que querem mais integração. Reforçam as suas fronteiras
exteriores, criam uma união fiscal, uma defesa comum e, dependendo dos gostos,
escolhem outros itens do menu da integração. Os países que não gostam,
simplesmente ficam de lado.
Finalmente,
há o cenário ‘menos, mas melhor’. Menos Europa, mas a Europa que sobra será
feita de melhor forma (mais eficiente, como dizem os economistas). Este é o
cenário ideal de muitos partidos de centro-direita na Europa que querem
dissociar-se da rejeição da extrema-direita do projecto europeu no seu conjunto»
A
questão sobre “mais Europa” ou “menos Europa” é resolvida pelo autor mediante
recurso ao formulado por Dani Rodrik, economista que defende que a globalização
(comércio livre), soberania e democracia são mutuamente incompatíveis, pelo que
apenas dois dos três podem existir em simultâneo; querendo manter a sua
soberania nacional e processos democráticos de decisão têm que se afastar da globalização
e do comércio livre (sistemas que impõem uma série enorme de regras e
constrangimentos que desgastam a soberania nacional e o processo de decisão
democrático), mas se escolherem a opção do mercado único no contexto europeu, terão
de abdicar da soberania nacional, só podendo preservar a democracia organizando
processos de decisão democráticos a um nível mais alto (federativo) sustentado
por um Parlamento europeu democraticamente eleito.
Do
mesmo modo o ‘cenário só-mercado-único’ também não é sustentável «...porque se baseia na ilusão de que podemos
ter mercado livre e manter tanto a soberania nacional quanto uma democracia
completamente funcional. O cenário “menos mas melhor” sofre da mesma ilusão
porque quer retirar poder às instituições europeias para reforçar a soberania
nacional, ao mesmo tempo que mantém em pleno o mercado único»
Não será
displicente pensar, como o faz Paul de Grauwe, que a proposta de Juncker cria a
ilusão de que temos uma série de opções, quando de facto assim não é e estas se
encontram reduzidas ao restabelecimento das barreiras alfandegárias ou ao
aprofundamento da união política, sem esquecer a indispensável reformulação da
moeda única e a transformação do BCE em financiador directo, mesmo que só numa
parte, dos orçamentos comunitário e nacionais.
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