sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

UE DESEQUILIBRADA

Conhecidos os resultados dos escrutínios realizados na Europa no passado fim-de-semana, concluídos com a relativa surpresa que foi a confirmação da derrota do candidato de extrema-direita à presidência austríaca e a antecipada vitória do “Não” à proposta de reforma política defendida pelo governo italiano, que deixando antever alguma instabilidade não deverão representar uma significativa mudança nos equilíbrios europeus.


É claro que a UE poderá abanar (o que haverá que não abane a UE?...) mas deverá sobreviver a mais um contratempo, mesmo depois de conhecido que o «Banco Monte dei Paschi di Siena pede ao BCE mais tempo para se capitalizar» face às dificuldades que decorrerão da instabilidade política em Itália.
Mas serão apenas as convulsões políticas que poderão abalá-la ou pelo contrário estas não passam de meros reflexos dum generalizado sentimento de insatisfação perante a degradação das condições socio-económicas da esmagadora maioria dos cidadãos europeus, fruto das políticas desadequadas que os seus líderes persistem em aplicar?

Vem tudo isto a propósito da mais recente vaga de notícias sobre a reestruturação da dívida pública e da mistificação que esta ideia continua a suscitar; mesmo depois do primeiro-ministro, António Costa, ter afirmado que a «UE “não pode continuar a ignorar” o problema da dívida» ou de sabermos que, institucionalmente, «BE e PCP não desistem de renegociação da dívida, PS quer discussão "cumprindo as regras"», persiste o ruído em torno duma questão que para muitos continua a ser tabu, mas já levou ao anúncio de que o «Eurogrupo apoia alívio da dívida grega», mesmo que esse “apoio” se resuma a uma redução nos juros.

Ainda no âmbito nacional (onde até à constituição do actual governo a questão da renegociação, muito mais que tabu, era algo absolutamente impensável) até a presidente do Conselho de Finanças Públicas, Teodora Cardoso, se destacou quando afirmou que «Portugal vai precisar de uma reestruturação da dívida "pela positiva"», mesmo sabendo que aquela sugestão nunca deverá passar por um qualquer perdão de dívida.

Embora também tenha sido noticiado que o «Eurogrupo não discute nem vai discutir juros da dívida portuguesa», o facto é que cresce o sentimento que essa terá que ser uma via obrigatória no futuro. Por muito que tal desagrade aos indefectíveis do virtuosismo da “austeridade expansionista”, a realidade nacional – um governo que aplica políticas de austeridade com maior sensibilidade social que a seita ordoliberal que o antecedeu e que, mesmo graças a uma conjuntura externa favorável, está a alcançar melhores resultados que os dogmáticos obtiveram – mostra que existem alternativas à política anterior, ainda que estas não logrem resolver o que apenas uma adequada reestruturação poderá alcançar: a estabilização das economias europeias numa via de crescimento em linha com o resto das economias ocidentais e que a asfixia de juros e amortizações de dívida impede, quando não assegura que nunca sucederá.

A ideia da inevitabilidade dum processo de reestruturação das dívidas é reforçada ainda pelo facto reconhecido de que a «Dívida global vale mais de três vezes a economia mundial» (216 biliões de dólares, para ser mais preciso e que só a do sector financeiro ascende a cerca de 80 biliões), donde facilmente se conclui que esta é impagável. Embora já o tenha referido no post «O MUNDO FALIDO», retorno a estes números para ressaltar o absurdo da rejeição da reestruturação das dívidas quando, para mais já se reconhece que a crise financeira de 2008 se ficou a dever, em grande medida, à transformação da colossal dívida do sector financeiro em dívida pública.

Como se não bastassem as políticas de redução da carga fiscal sobre o factor capital (com o consequente agravamento sobre o factor trabalho e o que tal implicou na redução do rendimento disponível das famílias, compelindo-as, a par com os estados, ao endividamento como via para a satisfação das suas necessidades) que ao longo de décadas foram cimentando o papel do sector financeiro e que culminaram na economia de casino em que vivemos, na qual se julga mais importante a existência de meios financeiros para assegurar a liquidez dos mercados especulativos que o investimento nos meios produtivos e na sua modernização, eis que agora ainda haja quem defenda que se devem exaurir ao máximo as populações e que pouco ou nada seja feito que afecte os interesses dos poucos que vivem (cada vez melhor...) da especulação na dívida pública, numa UE espartilhada pelas limitações duma moeda única controlada pelo sector financeiro e não pelos estados.

Sem comentários: