Conhecidos os resultados dos escrutínios realizados
na Europa no passado fim-de-semana, concluídos com a relativa surpresa que foi
a confirmação da derrota do candidato de extrema-direita à presidência
austríaca e a antecipada vitória do “Não” à proposta de reforma política
defendida pelo governo italiano, que deixando antever alguma instabilidade não
deverão representar uma significativa mudança nos equilíbrios europeus.
É claro que a UE poderá abanar (o que haverá que não
abane a UE?...) mas deverá sobreviver a mais um contratempo, mesmo depois de
conhecido que o «Banco
Monte dei Paschi di Siena pede ao BCE mais tempo para se capitalizar» face
às dificuldades que decorrerão da instabilidade política em Itália.
Mas serão apenas as convulsões políticas que poderão
abalá-la ou pelo contrário estas não passam de meros reflexos dum generalizado
sentimento de insatisfação perante a degradação das condições socio-económicas
da esmagadora maioria dos cidadãos europeus, fruto das políticas desadequadas
que os seus líderes persistem em aplicar?
Vem tudo isto a propósito da mais recente vaga de
notícias sobre a reestruturação da dívida pública e da mistificação que esta
ideia continua a suscitar; mesmo depois do primeiro-ministro, António Costa,
ter afirmado que a «UE
“não pode continuar a ignorar” o problema da dívida» ou de sabermos que,
institucionalmente, «BE
e PCP não desistem de renegociação da dívida, PS quer discussão "cumprindo
as regras"», persiste o ruído em torno duma questão que para muitos
continua a ser tabu, mas já levou ao anúncio de que o «Eurogrupo
apoia alívio da dívida grega», mesmo que esse “apoio” se resuma a uma
redução nos juros.
Ainda no âmbito nacional (onde até à constituição do
actual governo a questão da renegociação, muito mais que tabu, era algo absolutamente
impensável) até a presidente do Conselho de Finanças Públicas, Teodora Cardoso,
se destacou quando afirmou que «Portugal
vai precisar de uma reestruturação da dívida "pela positiva"»,
mesmo sabendo que aquela sugestão nunca deverá passar por um qualquer perdão de
dívida.
Embora também tenha sido noticiado que o «Eurogrupo
não discute nem vai discutir juros da dívida portuguesa», o facto é que
cresce o sentimento que essa terá que ser uma via obrigatória no futuro. Por muito
que tal desagrade aos indefectíveis do virtuosismo da “austeridade
expansionista”, a realidade nacional – um governo que aplica políticas de
austeridade com maior sensibilidade social que a seita ordoliberal que o
antecedeu e que, mesmo graças a uma conjuntura externa favorável, está a alcançar
melhores resultados que os dogmáticos obtiveram – mostra que existem
alternativas à política anterior, ainda que estas não logrem resolver o que
apenas uma adequada reestruturação poderá alcançar: a estabilização das
economias europeias numa via de crescimento em linha com o resto das economias
ocidentais e que a asfixia de juros e amortizações de dívida impede, quando não
assegura que nunca sucederá.
A ideia da inevitabilidade dum processo de
reestruturação das dívidas é reforçada ainda pelo facto reconhecido de que a «Dívida
global vale mais de três vezes a economia mundial» (216 biliões de dólares,
para ser mais preciso e que só a do sector financeiro ascende a cerca de 80
biliões), donde facilmente se conclui que esta é impagável. Embora já o tenha
referido no post «O MUNDO
FALIDO», retorno a estes números para ressaltar o absurdo da rejeição da
reestruturação das dívidas quando, para mais já se reconhece que a crise financeira
de 2008 se ficou a dever, em grande medida, à transformação da colossal dívida do
sector financeiro em dívida pública.
Como se não bastassem as políticas de redução da carga fiscal
sobre o factor capital (com o consequente agravamento sobre o factor trabalho e
o que tal implicou na redução do rendimento disponível das famílias,
compelindo-as, a par com os estados, ao endividamento como via para a
satisfação das suas necessidades) que ao longo de décadas foram cimentando o
papel do sector financeiro e que culminaram na economia de casino em que
vivemos, na qual se julga mais importante a existência de meios financeiros
para assegurar a liquidez dos mercados especulativos que o investimento nos
meios produtivos e na sua modernização, eis que agora ainda haja quem defenda
que se devem exaurir ao máximo as populações e que pouco ou nada seja feito que
afecte os interesses dos poucos que vivem (cada vez melhor...) da especulação na
dívida pública, numa UE espartilhada pelas limitações duma moeda única controlada
pelo sector financeiro e não pelos estados.
Sem comentários:
Enviar um comentário