Na data de mais uma
comemoração da Revolução dos Cravos, voltamos a ouvir os habituais discursos
evocativos, a maioria das vezes monótonos e sensaborões.
Não fosse o facto da
direcção da Associação 25 Abril se ter demarcado das cerimónias oficiais e este
ano tudo teria decorrido na mesma “paz dos anjos” de sempre:
pobretes, mas alegretes!
Porém,
as circunstâncias que atravessa o país e o claro distanciamento da generalidade
da população parecem ter determinado uma realidade diferente e assim, enquanto
na Assembleia da República se ouviu Cavaco Silva afirmar, num discurso de clara
submissão aos interesses e conveniências dos credores, que «Portugal
tem “o dever de mostrar que é um país credível”» (ao qual por pouco faltou
relembrar os tempos dos “três F’s”: Fado – Fátima – Futebol), na rua era
lembrado que existe uma «AR sem “o
poder de entregar a soberania nacional”».
As
diferenças entre os dois discursos (o de Cavaco Silva na
Assembleia da República e o de Vasco Lourenço
no Rossio) não poderiam ser maiores, pois enquanto o primeiro fez a
apologia da actuação conformista e subserviente que nos últimos anos muito
contribuiu para chegarmos à situação em que nos encontramos, o segundo foi uma clara
tentativa de redespertar as consciências dos cidadãos do país, principalmente
porque nem sequer faltou ouvir que o principal orador da tarde «Vasco
Lourenço acusa “elites” do poder de desprezarem a Constituição».
Outro sintoma desta mesma clivagem e
dos receios que ele motiva foi dado 48 horas antes quando o ECONÓMICO tornou público que «PSP
prepara tolerância zero nas manifestações do 25 de Abril», algo que nem
sequer se pode dizer que constitua espanto quando em finais do ano passado foi
divulgado que contrariamente ao sucedido noutros ministérios o «MAI
reforça orçamento da PSP em 50 milhões de euros» e apenas aumenta a
actualidade de reflexões como esta:
«Tolerância zero para as manifestações do 25
de Abril
Em
parangonas, um jornal nacional espetava na primeira página: “tolerância zero
para as manifestações no 25 de Abril”. Recordei-me do tempo do fascismo, quando
na “praça dos homens”, onde hoje se situa o W Shopping em Santarém, gente
faminta que só queria trabalho, era espancada pela GNR a cavalo, outros presos,
só porque tinham pedido mais dinheiro. Subindo de dez para onze escudos (hoje,
um nadinha mais do que cinco cêntimos) como moeda de troca por um dia de
trabalho de sol-a-sol, os capatazes ordenavam a carga e a brutalidade da
guarda, protegendo os bolsos dos patrões. Parecemos retornar a esse período
negro, que nos colocava na cauda de uma europa por via de cinquenta anos de
política estúpida, que promovia o atraso nacional, ainda sentido com graves
consequências. Hoje, a polícia está a ser armada com unhas e dentes, e
preparada para defender a “legalidade”: políticas disparatadas, desemprego,
proteccionismo aos poderosos, convite à emigração, gente inexperiente sedenta
de mordomias num ministério, ou numa qualquer secretaria de estado. A recente
carga policial, onde até jornalistas foram agredidos e impedidos do uso do
direito de nos informar, fez surgir um tímido inquérito por parte do Ministro
da tutela, facto irrelevante que pareceu dar mais força às polícias. Somos um
povo pacífico, mostrámo-lo em Abril de 74, mas repudiamos estas ameaças
vergonhosas, que nem na cabeça dos governantes ou das forças policiais deveria
estar encaixada, quanto mais fazerem-na publicar. É lamentável, ainda nem
quarente anos volvidos sobre a Liberdade instaurada em Portugal, estarmos
sujeitos a humilhações e intimidações deste teor. Há que acordar! Afinal, para
que nos serve a Liberdade com porrada e medo?»