sábado, 28 de abril de 2012

BOA IMAGEM...


Na data de mais uma comemoração da Revolução dos Cravos, voltamos a ouvir os habituais discursos evocativos, a maioria das vezes monótonos e sensaborões.

Não fosse o facto da direcção da Associação 25 Abril se ter demarcado das cerimónias oficiais e este ano tudo teria decorrido na mesma “paz dos anjos” de sempre:
 

pobretes, mas alegretes!

Porém, as circunstâncias que atravessa o país e o claro distanciamento da generalidade da população parecem ter determinado uma realidade diferente e assim, enquanto na Assembleia da República se ouviu Cavaco Silva afirmar, num discurso de clara submissão aos interesses e conveniências dos credores, que «Portugal tem “o dever de mostrar que é um país credível”» (ao qual por pouco faltou relembrar os tempos dos “três F’s”: Fado – Fátima – Futebol), na rua era lembrado que existe uma «AR sem “o poder de entregar a soberania nacional”». 

As diferenças entre os dois discursos (o de Cavaco Silva na Assembleia da República e o de Vasco Lourenço no Rossio) não poderiam ser maiores, pois enquanto o primeiro fez a apologia da actuação conformista e subserviente que nos últimos anos muito contribuiu para chegarmos à situação em que nos encontramos, o segundo foi uma clara tentativa de redespertar as consciências dos cidadãos do país, principalmente porque nem sequer faltou ouvir que o principal orador da tarde «Vasco Lourenço acusa “elites” do poder de desprezarem a Constituição».

Outro sintoma desta mesma clivagem e dos receios que ele motiva foi dado 48 horas antes quando o ECONÓMICO tornou público que «PSP prepara tolerância zero nas manifestações do 25 de Abril», algo que nem sequer se pode dizer que constitua espanto quando em finais do ano passado foi divulgado que contrariamente ao sucedido noutros ministérios o «MAI reforça orçamento da PSP em 50 milhões de euros» e apenas aumenta a actualidade de reflexões como esta:

«Tolerância zero para as manifestações do 25 de Abril

Em parangonas, um jornal nacional espetava na primeira página: “tolerância zero para as manifestações no 25 de Abril”. Recordei-me do tempo do fascismo, quando na “praça dos homens”, onde hoje se situa o W Shopping em Santarém, gente faminta que só queria trabalho, era espancada pela GNR a cavalo, outros presos, só porque tinham pedido mais dinheiro. Subindo de dez para onze escudos (hoje, um nadinha mais do que cinco cêntimos) como moeda de troca por um dia de trabalho de sol-a-sol, os capatazes ordenavam a carga e a brutalidade da guarda, protegendo os bolsos dos patrões. Parecemos retornar a esse período negro, que nos colocava na cauda de uma europa por via de cinquenta anos de política estúpida, que promovia o atraso nacional, ainda sentido com graves consequências. Hoje, a polícia está a ser armada com unhas e dentes, e preparada para defender a “legalidade”: políticas disparatadas, desemprego, proteccionismo aos poderosos, convite à emigração, gente inexperiente sedenta de mordomias num ministério, ou numa qualquer secretaria de estado. A recente carga policial, onde até jornalistas foram agredidos e impedidos do uso do direito de nos informar, fez surgir um tímido inquérito por parte do Ministro da tutela, facto irrelevante que pareceu dar mais força às polícias. Somos um povo pacífico, mostrámo-lo em Abril de 74, mas repudiamos estas ameaças vergonhosas, que nem na cabeça dos governantes ou das forças policiais deveria estar encaixada, quanto mais fazerem-na publicar. É lamentável, ainda nem quarente anos volvidos sobre a Liberdade instaurada em Portugal, estarmos sujeitos a humilhações e intimidações deste teor. Há que acordar! Afinal, para que nos serve a Liberdade com porrada e medo?»

que Arnaldo Vasques publicou no RIBATEJO.

terça-feira, 24 de abril de 2012

ABRIL DO DESASSOSSEGO


Haverá melhor imagem do actual estado das coisas em Portugal que a notícia de que a Associação 25 de Abril não participará pela primeira vez nas celebrações oficiais?

A associação A25A, fundada pelos militares directamente envolvidos, congrega hoje todos (militares e civis) os que se revejam no espírito do movimento libertador de 25 de Abril de 1974, pelo que aquela decisão constitui um claro sinal do mal-estar que grassa no país.

Segundo estoutra notícia do PUBLICO o manifesto apresentado pela direcção da A25A justifica a decisão «…por considerar que “o contrato social estabelecido na Constituição da República Portuguesa foi rompido pelo poder”», porque «[a]s medidas e sacrifícios impostos aos cidadãos portugueses ultrapassaram os limites do suportável. Condições inaceitáveis de segurança e bem-estar social atingem a dignidade da pessoa humana…» e concluindo que «…o rumo político seguido protege os privilégios, agrava a pobreza e a exclusão social, desvaloriza o trabalho».

A polémica decisão foi formalmente anunciada pelo presidente da A25A, o coronel Vasco Lourenço, e embora não isenta doutras leituras pode bem ser entendida como uma contestação frontal à linha política do governo de Passos Coelho que classificou como configurando «…um outro ciclo político que está contra o 25 de Abril, os seus ideais e os seus valores», a ponto do EXPRESSO a interpretar como uma referência a que o poder não reflecte o regime democrático.

Quando a este gesto se seguiu o igualmente inédito anúncio de que também o ex-presidente Mário «Soares não vai à sessão oficial do 25 de Abril», confirmada pela notícia de que «Soares e Alegre apoiam Capitães e não vão à AR», a decisão da A25A ganhou novos e maiores contornos de contestação; do que num primeiro momento poderia ser entendido como uma reacção às políticas de cortes salariais nas Forças Armadas (algo que nem sequer constituiria verdadeira novidade no caso dos “velhos capitães de Abril”, cujo movimento nasceu de meras reivindicações de classe) eis que a solidariedade manifestada por Soares e Alegre lhe confere (queira-se ou não) uma maior dimensão política e um claro sintoma de contestação aberta às políticas seguidas pelo governo de Passos Coelho.

Na habitual linha de actuação do politicamente correcto não se estranha que «Marcelo Rebelo de Sousa não compreende ausências» enquanto assegura que a «democracia é que perde com as ausências nas comemorações do 25 de Abril», nem que o ex-comissário europeu António Vitorino (como refere a mesma notícia do EXPRESSO) tenha prontamente apelado à “convergência”, como se o direito à expressão da indignação e da contestação fosse algo de absurdo ou reprovável num regime que se afirma democrático.


 

 

Mais curiosa ainda é a reacção de Passos Coelho, que na sequência doutras declarações de membros do seu governo (como a fantástica afirmação produzida em Washington por Vítor Gaspar assegurando que estão os «Portugueses disponíveis para sacrifícios») reagiu desvalorizando a mensagem de evidente crítica política e dizendo-se «habituado a que figuras políticas queiram assumir protagonismo», como se o que estivesse em causa fosse um lugar na primeira fila da fotografia de família.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

UM OLHAR SOBRE PARIS


Quando a UE continua penosamente a atravessar aquela que é a maior crise económica que já conheceu, é natural que a escolha do próximo presidente francês se revista de especial importância para o conjunto dos cidadãos europeus, não só pelo papel que este país tem assumido na definição das políticas comunitárias como pelo facto de representar uma das maiores economias da Zona Euro.

Tradicionalmente resolvida numa segunda volta, a eleição presidencial gaulesa tem conhecido desde a edição de 2002 alguma novidade e incerteza quando um “outsider”, o nacionalista Jean-Marie Le Pen, a disputou contra o liberal Jacques Chirac. Embora completamente afastada essa hipótese nesta edição, nem por isso a grande surpresa da campanha eleitoral deixou de ser o desempenho doutro “outsider”, que não a sucessora de Le Pen mas o candidato da Front de Gauche, Jean-Luc Mélenchon. 

 
O expectável confronto da segunda volta entre o actual presidente Nicolas Sarkozy e o socialista François Hollande, deverá ocorrer sob a clara influência dos resultados duma primeira volta que poderá constituir um marco histórico caso não se confirmem as sondagens mais recentes (e posteriores aos acontecimentos de Toulouse) que dão uma ligeira vantagem ao presidente em exercício. Até às mortes perpetradas por um anunciado extremista islâmico, as sondagens davam uma humilhante vantagem a Hollande que nem uma campanha aguerrida e carregada de desculpas e de promessas eleitorais nem o claro apoio dos parceiros europeus de Sarkozy parecia capaz de inverter. Apoio que, encarado por muitos dos eleitores franceses como uma clara ingerência nos seus assuntos internos, levou o próprio Sarkozy, em mais uma evidente pirueta eleitoral, a demarcar-se de posições de Merkel e de Monti, como a da recusa de encontros com um François Hollande, candidato que não esconde a sua oposição aos termos do tratado orçamental europeu novo, defende a uma taxação mais agressiva dos mais ricose propõe-se usar o investimento público para combater o desemprego. A este programa, Sarkozy contrapõe a redução do défice e da máquina do Estado, ou seja mais do mesmo..., pelo que a sua derrota, além de prevista na generalidade das sondagens integra há mais de um ano o cenáro de antecipações políticas elaborado pelo think tank” europeu LEAP, poderá ser segura, mas depois da relativa decepção que foi a “esperança” trazida pela eleição em 2008 de Barack Obama para a presidência dos EUA, convém aguardar pelos reais efeitos da esperada mudança no Eliseu[1].

A sensação Mélenchon é tal que além de boa parte do eleitorado francês (mais de 50%) ver nele um verdadeiro candidato de mudança, estará em vias de afastar Marine Le Pen do terceiro lugar na primeira votação, pois as sondagens atribuem-lhe entre 13% e 17%, enquanto a filha de Jean-Marie Le Pen, que chegou a contar com intenções de voto da ordem dos 20%, queda-se agora entre os 13% e os 16%. Mesma tendência recessiva apresenta o centrista François Bayrou (Movimento Democrata) que após ter sido a grande sensação das eleições de 2007 não deverá ultrapassar agora os 10% a 11%.

Se as sondagens conhecidas divergem sobre o resultado da primeira volta, dando a vitória ora a Sarkozy ora a Hollande, todas concordam que na segunda a vitória de Hollande é garantida. Talvez por isso tenha ganho maior relevo na imprensa a polémica ascensão de Mélenchon, com o PUBLICO a afirmar que «O trotskista Mélenchon é o incómodo ‘terceiro homem’ das presidenciais francesas» e o insupeito EXPRESSO a descrevê-lo como autor de «...discursos mobilizadores de belo efeito, sempre com citações literárias, filosóficas e referências às grandes revoluções da História», e o efeito potencialmente perigoso que resultará do seu apoio ao candidato socialista na segunda volta, hipótese que Hollande já começou a minimizar ao assegurar que se apresentará na segunda volta com o mesmo projecto da primeira. O desespero da direita liberal e populista, representada na candidatura de Sarkozy, é tal que à falta de novos argumentos já se começam a desenterrar os velhos anátemas anti-comunistas, esquecendo que a quase certa vitória de Hollande acontecerá não pelas suas virtudes ou qualidades mas, principalmente, pelo acumular de erros e de piruetas políticas dum Sarkozy que nunca se afigurou um digno representante dos valores republicanos particularmente caros aos franceses, especialmente depois de Chirac (o presidente que antecedeu Sarkozy e , como este, pertencente à UMP) se ver condenado num caso de corrupção e se ter tornado no primeiro presidente da V República a ostentar tão demeritória glória.

Não será pois estranho que alguém com características como uma ideologia sólida e os grandes dotes de oratória de Jean-Luc Mélenchon cative um eleitorado cansado de candidatos anódinos e desprovidos de grandes ideais ou até de simples ideias (salvo a do desejo de eleição), tudo isto numa época em que o desalento e a incerteza passaram a constituir o elemento diário da maioria dum eleitorado ao qual pouco mais resta senão esperar que a transformação que ocorra em França e na Europa com a eleição de François Hollande seja na direcção duma sociedade mais justa e equitativa.


[1] Na mesma linha de expectativa, matizada entre o optimismo dum e a frieza analítica do outro, se manifestaram Mário Soares, por exemplo no artigo «A França pode mudar a Europa», ou Manuel Maria Carrilho em «O fim da estratégia da avestruz?», ambos publicados no DN e enfatizando a importância que essa mudança poderá ter no futuro da Europa.