Os inefáveis Merkel e Sarkozy apresentaram-se na última cimeira europeia com uma solução que pré-cozinharam uns dias antes.Vazia de ideias novas, a proposta alemã (porque é disso que na realidade se trata, pois a presença de Sarkozy constitui apenas uma desesperada colagem para tentar a reeleição) foi muito bem caracterizada por José Manuel Pureza no seu mais recente artigo no DN, como a «…disciplina prussiana ao serviço do fundamentalismo calvinista».
Esta proposta para solucionar a crise da dívida europeia não passa duma versão actualizada da velha estratégia da “cenoura ou o cacete”, com a diferença que no caso vertente não existe “cenoura” (continua por explicar como serão reunidos os biliões de euros indispensáveis para acorrer a todas as situações possíveis de resgate) e estou bem em crer que na realidade ninguém acredita muito no “cacete”.
Só isso (ou pior, o absoluto desconhecimento do seu conteúdo e das respectivas implicações) é que pode justificar a forma apressada como os chefes de governo europeus aceitaram o que não constitui mais que um processo de ingerência, pois a simples aplicação de medidas ou princípios de controlo orçamental não assegura uma resolução efectiva dum problema que é o da falta de credibilidade política da moeda e das dívidas da Zona Euro, problema que só a existência dum banco central que emita moeda em função das necessidades dos Estados pode resolver com eficácia.
Se dúvidas ainda pudessem existir, o actual presidente do BCE, o italiano Mario Draghi, desfê-las na véspera quando, como escreveu o PUBLICO, excluiu «…um reforço da compra de dívida pública e um empréstimo de dinheiro ao FMI para que este financie os países da zona euro», assim assegurando a continuação duma política de clara privilégio do sector financeiro em detrimento dos estados, que deixou bem clara quando anunciou novas medidas para ajudar os bancos através de «empréstimos ilimitados a 3 anos, redução das exigências de rating nos colaterais e aceitação de empréstimos como garantias pelos bancos centrais nacionais…»[1], que levou até o NEGÓCIOS a descrever a situação de forma extremamente clara: «Bancos aliviados, Estados pressionados».
Da conjugação da ortodoxia alemã sobre as virtualidades de medidas como a da imposição do orçamento-zero, que ao ser designada por “regra de ouro” transmite uma subliminar relação com conceitos religiosos, com a rigidez instrumental dum banco central que limitado a servir os interesses do sector financeiro despreza a defesa e protecção da unidade monetária que constitui a razão da sua existência, pouco se pode esperar num contexto económico recessivo como aquele que vive a UE.
Desprovida da “cenoura”, que poderia traduzir-se nem que fosse apenas na flexibilização da intervenção do BCE na defesa do Euro, a proposta da chanceler Merkel arrisca-se ainda a que ninguém reconheça o “cacete”, pois não faltará quem na primeira oportunidade lhe lembre que nos actuais tratados europeus já existem regras claras sobre os limites do défice e do endividamento e que foi a própria Alemanha um dos primeiros estados a desrespeitá-los quando tal lhe conveio para atenuar os efeitos do processo de integração da ex-Alemanha de Leste.
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