A mais recente novidade do duo Merkel-Sarkozy, a proposta de assinatura dum Tratado Intergovernamental que assegure uma maior disciplina orçamental e que mereceu a aprovação dos restantes líderes dos 15 da Zona Euro, deixa antever alguma agitação na política interna dos solícitos aderentes.Não apenas por prefigurar alguma forma acrescida de ingerência interna, mas principalmente porque não se consegue libertar da imagem profundamente negativa duma imposição alemã.
Como atempadamente notou com alguma oportunidade o presidente o Eurogrupo, o luxemburguês Jean-Claude Juncker, quando afirmou que os «Alemães pensam que são os único virtuosos», a solução apresentada configura apenas mais um passo na senda daquela que tem sido a linha de pensamento germânico no sentido da punição dos Estados gastadores e esquecendo duas importantes realidades: primeiro, que também eles não respeitam os limites ao endividamento estabelecidos no Tratado de Maastricht; segundo, que parte do sucesso das suas exportações para os parceiros do euro só foi possível graças ao endividamento destes.
Pretender agora aplicar regras ainda mais restritivas num período de evidente contracção económica não pode senão agravar as tendências recessivas das economias europeias e em simultâneo o problema do crescente desemprego. Só dirigentes europeus completamente cegos pelo dogmatismo dos discursos purificadores podem ter aceite pacificamente que a solução dos problemas actuais passe por semelhante opção.
É indispensável o debate doutras opções, como a seja a dum «Novo tratado, só com debate e referendo», como sugere Manual Maria Carrilho lembrando que os que agora se apresentam como salvadores «Nada previram a tempo. Nada diagnosticaram com lucidez. Nada propuseram com realismo. Nada concretizaram com eficácia. É este o retrato das elites europeias, que são hoje, natural e muito justamente, objecto de uma cada vez maior e mais generalizada desconfiança. Desconfiança que corrói a legitimidade dos dirigentes e aumenta o desespero dos cidadãos» que facilmente se apercebem que quem tem errado todos os diagnósticos não pode apresentar credibilidade para qualquer solução.
Para agravar aqueles erros constata-se que as decisões das cimeiras de Julho e de Outubro não foram ainda concretizadas; os prometidos fundos para apoiar os países da Zona Euro continuam a primar pela ausência e, disparate dos disparates, insiste-se no recurso a um FMI que por insuficiência de capitais se poderá financiar no BCE… o mesmo BCE que se recusa a financiar os estados que usam a sua moeda. Por outras palavras, para Merkel & Cª faz inteiro sentido que os estados europeus se vejam impedidos de aceder a financiamentos directos do BCE (a taxas iguais ou próximas daquela a que este financia os bancos, a saber 1%) e “obrigados” a recorrer ao “auxílio” do FMI que, tendo-se financiado junto do BCE àquele preço, financiará os estados a 6% ou 7%.
A infâmia e o escândalo do que subjaz às propostas neoliberais corporizadas nos discursos de Merkel e Sarkozy está a atingir proporções tais que até dos sectores mais conservadores começam já a surgir alertas e vozes críticas, como por exemplo a que Adriano Moreira deixou na sua mais recente reflexão sobre os perigos que a Europa enfrenta, quando em «Um perigo agudo» escreveu: «As graves inquietações que a intervenção do Presidente da França, e a liderança da chanceler da Alemanha, semearam entre os povos europeus, fazendo somar às carências dolorosas da qualidade de vida a incerteza sobre o futuro político, económico e social de todos, tendo por referência principal o destino do euro, tem escassa relação com a decisão, concepção do mundo e da vida, e sentido de responsabilidade dos fundadores da União. «...» O credo do mercado tem muitas vezes o efeito perigoso de desviar as atenções da realidade que se desenvolve tendo como motor apenas motivos emocionais, patrióticos, de retaliação, ou de orgulhos nacionais».
Será preciso explicar mais alguma coisa para que no espírito de todos fique bem claro o perigo do escandaloso “negócio” que está em curso às custas dos cidadãos europeus?
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