A apresentação daqueles que entendo serem os «DEZ PROBLEMAS DO EURO» constituiu um primeiro passo para abordar a respectiva solução, que em caso algum poderá ser encontrada nas propostas que a chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, Nicolas Sarkozy, “cozinharam” no almoço que mantiveram na passada segunda-feira.
O resultado do conciliábulo foi jactantemente apresentado em conferência de imprensa pelo duo, resumido em termos de cabeçalho do PUBLICO afirmando que «Merkel e Sarkozy querem novo tratado europeu até Março», como se o apoio dos restantes 25 membros (ou dos 15 da zona euro com alternativamente admitem) fosse uma certeza ou, pior, a sua opinião irrelevante.
Da directiva imaginada pelos dois reconhecidos “génios”, os mesmos que há quase dois anos vêm assegurando cimeira europeia após cimeira europeia que a solução está encontrada e o problema definitivamente sanado, ressalta a repetição da mezinha habitual. Menos que principiantes de aprendizes de feiticeiro, os dois estadistas insistem na solução de mais restrições orçamentais, mais políticas restritivas para reduzir o “monstro” da dívida pública que, segundo eles, inviabiliza qualquer recuperação económica. E pior, pretendem ver estabelecido como regra a aplicação de sanções automáticas aos estados que desrespeitem a regra da limitação do défice orçamental a 3% do PIB, insistindo numa flagrante confusão entre causa e efeito do problema.
A propósito da mais que óbvia questão dum mau diagnóstico gerar uma má solução, escreveu esta semana no LE MONDE Raphael Didier que «…a austeridade imposta simultaneamente por países europeus com base num diagnóstico parcialmente errado (a dívida pública elevada impede a recuperação económica) não pode levar senão a uma queda no comércio dentro da zona euro e a uma nova recessão». Este professor universitário e autor do blog homónimo (http://raphael.didier.over-blog.fr/) vai um pouco mais longe e fixa a origem do problema na disparidade entre os estados com balanças comerciais superavitárias e os que apresentam balanças deficitárias e na inexistência de mecanismos de correcção. Por outras palavras, o acréscimo das dívidas não passa da resposta àquele desequilíbrio e dum mero sintoma que um adequado orçamento federal, assegurando as indispensáveis transferências entre superavitários e deficitários, e um BCE interventivo ajudaria a resolver.
Isto mesmo é, em certa medida, reafirmado num recente artigo publicado por Paul Krugman no THE NEW YORK TIMES, no qual escreve que a «…combinação de austeridade para todos e um banco central morbidamente obcecado com a inflação torna impossível aos países endividados escapar à armadilha da sua dívida, sendo assim a receita para a generalização das falências dos estados, dos pânicos bancários e do colapso financeiro em geral».
Ora precisamente a ideia dum orçamento comunitário, solidário e integrador é o que parece estar nos antípodas das intenções de Merkel e Sarkozy que persistem na ideia de penalizar os que definem como “estados gastadores e incumpridores”, recusam a criação dos “eurobonds” e qualquer alteração ao absurdo estatuto do BCE, que assim se manterá como o único banco central que, mais liberal que os mais liberais, não cria outra moeda que não a desejada pelo sistema financeiro.
A cada vez mais denunciada cegueira política[1], a que de modo algum enjeito acrescentar a tacanhez intelectual, dos que se arrogam em líderes da Europa está a conduzir a Europa para um beco sem saída. Recusando qualquer solução que não se enquadra no seu modelo conceptual ultraliberal, ou como hoje mesmo escreveu Mário Soares na VISÃO: «Estamos no início de uma nova era histórica e geopolítica? Talvez. Mas em que sentido e com que estratégia? Fala-se em reformas mas é preciso saber quais. Porque frequentemente não passam de contrarreformas...»
[1] Os exemplos abundam, de tal modo que me permito destacar aqui o de um insuspeito autor, Adriano Moreira, da mesma área política de Merkel e Sarkozy, que escreveu na sua última crónica semanal no DN que «Nesta data, a Europa está numa crise a que falta a guerra mas não falta a crescente angustia dos povos, nem a arrogância dos que causaram as duas guerras mundiais».
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