Com o avolumar das dúvidas sobre a solução para a dívida pública grega e a aparentemente polémica decisão da Moody’s em descer o “rating” da dívida portuguesa, a Europa continua a concentrar as atenções de praticamente todos os que acompanham a evolução da crise global.
Acidentalmente, ou não, tudo parece conjugar-se para transmitir a ideia que é na velha Europa que se centra o olho do furacão duma crise que continua sem encontrar quem a enfrente de forma consistente e organizada.
Enquanto os EUA discutem o aumento do nível de endividamento da União que possibilite a continuação dos programas de injecção de liquidez (os chamados “quantitative easing”, uma prática que se traduz num claro mecanismo de monetarização da dívida[1]), cujos possíveis efeitos inflacionários parecem não assustar a direcção do FED, no oposto temos uma UE cujo banco central (o BCE) se recusa a aceitar semelhante prática mesmo na ausência de tensões inflacionistas[2]; o dogmatismo de Jean-Claude Trichet (presidente do BCE) e dos seus pares (Vítor Constâncio incluído) tem constituído um dos principais entraves à construção duma solução para o imbróglio financeiro que vive boa parte dos países periféricos daquela UE.
Nem mesmo quando se começou a revelar à evidência o completo fracasso da solução desenhada para a Grécia (intervenção do BCE e do FMI com 110 mil milhões de euros para o reequilíbrio das contas públicas helénicas), quando se persistiu no mesmo modelo de intervenção na Irlanda e em Portugal, como se o problema do endividamento se resolvesse mediante o recurso a novo e maior endividamento e sem admitir (nem nos mais loucos dos sonhos) que o problema fundamental radica na estrutura da própria união monetária e na forma como o sistema financeiro mundial lucra com o endividamento público.
Algumas têm sido as vozes que ultimamente se vão ouvindo a propósito da necessidade de repensar este mecanismo, mesmo se na sua maioria ninguém equaciona a indispensabilidade de fazer regressar à esfera pública a função de criação da moeda, enquanto alguns jornais vão noticiando fenómenos como o do «Medo de contágio drena dinheiro da zona euro», que constituem simples reflexos da incapacidade política das lideranças europeias em introduzirem mecanismos de controlo dos movimentos financeiros e uma radical extinção dos “off-shores”. Sem isso, ideias como a de «Um New Deal para a Europa» por melhor estruturadas e fundamentadas que o sejam nunca lograrão qualquer êxito, pois as condições em que Roosevelt aplicou nos EUA aquele programa de recuperação económica (ao tempo o governo da União ainda controlava a emissão de moeda) eram bem diversas das que actualmente imperam.
Enquanto os países periféricos do Euro (também designados por PIIGS[3]) não encontrarem no seu interior e nas suas lideranças a força que os leve a concertar uma estratégia de oposição às políticas monetaristas e neoliberais que, preconizando os reequilíbrios orçamentais a qualquer preço e em detrimento do crescimento económico, tão bem têm servido os interesses dos países da Europa do Norte (como também são conhecidos os países mais ricos da UE) e do sistema financeiro mundial, a situação continuará a agravar-se e acabará por revelar as fragilidades da estratégia franco-alemã. Isso mesmo tornar-se-á evidente logo que a pressão dos “mercados” chegue à dívida espanhola e então veremos se Sarkozy e Merkel conseguirão evitar o soçobrar das suas próprias economias ou se tudo se terá perdido na absurda estratégia de complacência com as agências de “rating” e com os “hedge funds”, em prejuízo dos quase 500 milhões de cidadãos europeus.
[1] Expressão usada para definir a criação de moeda pelo banco central para comprar os títulos da dívida que os governos precisam de emitir para financiar as suas intervenções na economia ou para fazer face aos seus gastos.
[2] Facto que não tem impedido do BCE de continuar novo ciclo de subida das taxas, conforme o atesta a notícia desta semana do PUBLICO.
[3] Recordo que o acrónimo resulta das iniciais dos países europeus que integram a também designada Europa do Sul: Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha.
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