É certo que nos agitados tempos que correm existirão assuntos muito mais importantes que este, mas ainda assim a aceitação pelo governo português do fim dos direitos especiais em empresas como a PT, a GALP e a EDP merece alguma reflexão.
Não apenas nos termos em que esta recente notícia do PUBLICO o coloca – não só existem estados membros da UE que mantém em vigor o princípio, como entre estes se contam os dois igualmente submetidos a intervenção financeira do FMI e do BCE – mas principalmente naqueles que parecem não despertar a atenção da generalidade da imprensa e dos quais me permito destacar dois: o facto de se tratarem de empresas fornecedoras de bens e serviços estratégicos e de possível interesse vital para a segurança pública e nacional e ainda o facto da significativa alteração de valor patrimonial que resultará do fim unilateral dos referidos direitos especiais.
Quanto ao primeiro não parece de todo em todo difícil de entender a necessidade de que serviços como o fornecimento de energia e de comunicações não possam ser descurados completamente por qualquer estado sob o risco de em situação de crise não dispor dos mecanismos de intervenção e de segurança mínimos.
É evidente que esta era por si só razão bastante para que empresas com aquelas características nunca tivessem sido privatizadas, decisão que em nada belisca o princípio da livre concorrência pois a sua existência não constitui a priori impedimento para a instalação de potenciais concorrentes. Se o inverso é geralmente apontado como a razão para a privatização é apenas porque à iniciativa privada não interessam investimentos sujeitos a um risco elevado e a simples existência de um concorrente público é prontamente apontada como factor perturbador do mercado, fenómeno que estranhamente se esfuma logo que a empresa passa para a esfera privada e a assegurar chorudos lucros de monopólio aos seus accionistas.
Ora são precisamente esses accionista os que agora com o fim das “golden shares” se preparam para ver ainda aumentado o valor das participações que adquiriram a desconto (um preço especial para compensar a clausula da “golden share”) sem que de entre os acérrimos defensores do mercado livre se faça ouvir um mais justificado coro de reclamações sobre esta distorção no mercado.
Em jeito de conclusão lembro ainda, como o fizeram os autores da notícia já referida, que outros estados membros da UE mantém intacta e inalterada a política de preservação dos direitos especiais em algumas empresas que entendem estratégicas e que razão tem Nuno Cunha Rodrigues para apelidar, como o fez nesta entrevista ao PUBLICO, o governo português de mais papista que o papa, expressão que me parece pecar apenas pela ternura que encerra. O que na realidade se passa é que os partidos do arco do poder (PS, PSD e CDS) aceitaram de forma demasiado fácil e submissa a imposição do FMI e que a troco de um prato de lentilhas (que outra coisa são para eles 78 mil milhões de euros que facilmente esbulharão dos bolsos dos contribuintes) aceitaram abdicar dum dos poucos instrumentos estratégicos que ainda detinham.
Talvez mais cedo que tarde sentiremos a diferença e voltaremos a chorar o leite derramado...
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