quarta-feira, 10 de março de 2010

A BANCA NO BANCO DOS REIS

A propósito das recentes intenções da administração Obama de sobretaxar a banca norte-americana, no sentido de obter um ressarcimento mais rápido das centenas de milhões dólares de fundos públicos distribuídos ao abrigo do programa TARP, escreveu Miguel Ángel Belloso[1] um artigo publicado pelo I ONLINE[2], cuja leitura recomendo vivamente.

Sob o sugestivo título «
A banca no banco dos réus», o economista informa os seus leitores que «[o] presidente Obama criou uma taxa sobre passivos para obrigar os bancos a pagar o dinheiro público investido na sua salvação. Mas no final os bancos vão cobrar tudo aos clientes», não deixando, assim, qualquer margem de dúvida sobre a inutilidade de qualquer medida tendente a fazer regressar à origem os fundos tão prodigamente dispensados para “salvar” o sistema financeiro.

Puro e duro (como convém a qualquer liberal que se preze), o que Belloso assegura logo de início é que nunca Wall Street teve qualquer intenção de pagar os fundos com os quais a administração Bush e o então secretário de estado Henry Paulson[3] pretenderam combater a crise financeira originada no rebentamento da bolha especulativa do “subprime”, nem existe qualquer hipótese de que tal venha a ocorrer, pois qualquer tentativa redundará nos banqueiros a transferirem os custos para os seus clientes.

Talvez receando que algum leitor menos atento (ou talvez mais bem intencionado) não tenha entendido o cabal alcance da sua afirmação, Belloso, vai um pouco mais longe e três parágrafos depois retoma o discurso do espantalho da redução do crédito – mecanismo a que no seu entender os banqueiros também poderão recorrer – para explicar que a iniciativa de Obama estará condenada ao fracasso.

Por incrível que possa parecer, o autor tem razão. O sistema financeiro dispõe de todos os mecanismos para assegurar que, caso o reembolso dos fundos públicos venha a ser reclamado, aquele acabe inevitavelmente por ser “pago” por alguém que não quem dele beneficiou.

Não só os bancos podem criar parte significativa dos fundos para tal necessários[4], como rapidamente agirão sobre as taxas de juro, os “spreads” e o comissionamento por forma a aumentarem os seus resultados e até os lucros.

Apenas a implementação de legislação mais restritiva sobre a actividade e sobre o quase monopólio da criação de moeda que os bancos hoje detém[5], poderá assegurar que os responsáveis pela actual crise global venham a ser coagidos a algum reembolso dos fundos públicos com que foram agraciados.

É claro que para um liberal da têmpera de Miguel Ángel Belloso, esta ideia é ainda mais perniciosa que a já muito criticada intenção de voltar a limitar o campo de actuação dos bancos (separando as actividades bancárias básicas, também ditas comerciais, das actividades mais especulativas normalmente atribuídas aos bancos de investimento) e que aquele critica como geradoras de ineficiências e com o consequente encarecimento do crédito.

Belloso, que no fundo não ignora a medonha responsabilidade da actuação do sistema financeiro, sempre vai admitindo que se houver que fazer algo que seja uma «...vigilância mais estreita e cabal dos riscos assumidos pela banca...», mas nunca a opção pelo «...enorme desdobramento de proibições».
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[1] Miguel Ángel Belloso é um economista espanhol, director da revista ACTUALIDAD ECONOMICA, pertença do grupo UNIDAD EDITORIAL, que conta entre outros títulos os jornais EL MUNDO (generalista), EXPANSIÓN (económico) e MARCA (desportivo), além do nacional DIÁRIO ECONÓMICO.
[2] A versão original (em castelhano) foi inicialmente publicada no “blog” do autor, muito apropriadamente chamado “APUNTES LIBERALES DE UN CHICO DE DERECHAS” e pode ser lida aqui.
[3] Henry Paulson, produto de Harvard e actual professor na Johns Hopkins University, foi presidente-executivo da Goldman Sachs (um dos maiores bancos de investimento e um dos actores principais na bolha especulativa do “subprime”), lugar que deixou para ocupar o de secretário de estado do tesouro na administração Bush, período durante o qual foi o rosto visível do TARP (Troubled Asset Relief Program) que foi nem mais nem menos que a via para a transferência de fundos públicos para o sector financeiro a fim de evitar a sua falência.
[4] Sobre a questão da criação de moeda pelos bancos ver o que sobre o assunto escrevi há quase um ano, no «post» «TENHAM FÉ... MAS PREPAREM-SE PARA O PIOR».
[5] Sobre a necessidade de limitar o poder do sistema financeiro e de fazer regressar à esfera pública o poder de criação da moeda, ver o «post» «ELES NEM SABEM O QUE DIZEM».

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