sábado, 20 de março de 2010

McCARTHY ESTÁ DE VOLTA

Quando continuam bem vivas entre nós as discussões em torno da liberdade de informação, talvez mereça a pena a leitura de um recente editorial do NEW YORK TIMES que sob o título «Rewriting History in Texas» reflecte sobre a grave questão do conteúdo do manuais escolares e do verdadeiro atentado à informação e ao conhecimento que se prepara naquele estado dos EUA, onde o respectivo Conselho de Educação resolveu introduzir modificações nos manuais escolares conducentes a reintroduzir equilíbrios (na opinião de um dos membro influentes daquele conselho) que os académicos enviusaram com as suas perspectivas demasiado “esquerdistas”.

Não fosse o facto do estado do Texas, com os seus quase 5 milhões de alunos, ter uma grande influência em matéria de educação sobre o resto do país
[1] e a pretensão deste dito Conselho de Educação (liderado por um dentista) de transformar os manuais escolares em “palas” para burros talvez se transformasse apenas em alvo de troça generalizada.

Mas quando entre as correcções propostas por estes modernos mccarthistas[2] se conta o engrandecimento do papel do ex-presidente Reagan enquanto arquitecto da moderna América e o apagamento doutro ex-presidente, Franklin D. Roosevelt, responsável pela política do “New Deal”[3] ou a substituição das referências a Thomas Jefferson[4] pelas de ideólogos religiosos, a questão não pode continuar a ser encarada de forma leviana, tanto mais que este é o país onde se continua a insistir na ideia de ensinar nas escolas a teoria do criacionismo[5] em oposição à teoria evolucionista desenvolvida no século XIX por Charles Darwin.

Como muito bem salienta um indignado leitor do NEW YORK TIMES, «o objectivo da educação não é doutrinar, mas informar. A cidadania necessita de aprender a compreender, a pensar de forma crítica, a pôr questões e a fazer julgamentos»[6], o que deixa a leve esperança de que a opinião pública norte-americana consiga impedir entrada em vigor da proposta durante o período de consulta pública que decorre.
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[1] O facto de ser um dos estados mais populosos leva a que as editoras dos manuais escolares tendam a espalhar pelo resto do território as normas definida no Texas.
[2] Referência a Joseph McCarthy, senador, responsável pelo lançamento, na década de 1950, no auge da chamada Guerra Fria, de uma verdadeira caça às bruxas (ou literalmente aos comunistas) que em nome de valores como o patriotismo e o “american way of life” levaram à humilhação e mesmo ao ostracismo grande número de intelectuais e artistas apresentados como anti-americanos.
[3] Designação pela qual ficaram conhecidos os programas de inspiração keynesiana, implementados nos EUA durante a presidência de Franklin D Roosevelt e com os quais este pretendeu reformar a economia do país e combater os efeitos da Grande Depressão.
[4] Thomas Jefferson foi o principal redactor da Declaração de Independência e 3º Presidente dos EUA; defensor dos princípios do republicanismo e da separação entre o Estado e a Igreja.
[5] Corrente que defende a ideia de criação da Terra e das suas diversas formas de vida de acordo com as fontes bíblicas.
[6] A citação foi retirada de uma das cartas de leitores recebidas no jornal e reunidas sob o título «The Battle Over Textbooks in Texas».

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