quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

FELIZ 2010 (NA MEDIDA DO POSSÍVEL...)

Poder-se-ia encerrar o ano de 2009 sem voltar ao tema recorrente da crise?

Podia! Mas não era a mesma coisa... pois estaríamos a escamotear aquela que foi (e será) a grande questão dos tempos mais próximos: como sair da crise?

A acreditar nas vozes optimistas que não tardaram em embandeirar em arco aos primeiros sinais de alguma melhoria no panorama económico mundial e para os quais um simples redução na taxa de crescimento negativo das economias já é um excelente sinal de recuperação, nada do que a seguir surgirá fará o menor sentido, ou antes, apenas poderá ser entendido como manifesta atitude derrotista. Porém, estou em crer que 2010 pouco nos trará de verdadeiramente novo.

Todos os indicadores apontam para o triste facto da crise aberta pela falência do “subprime” norte-americano, mas fruto de um conjunto de concepções erradas sobre o funcionamento das economias, se encontrar longe de resolvida. A opção, adoptada pela administração norte-americana e prontamente copiada pelos europeus, de injectar biliões de unidades monetárias num sistema financeiro cuja cupidez mais não fez que ampliar os efeitos de uma grave crise económica poderá ter evitado a falência global daquele sistema, mas de modo algum resolveu o problema de fundo que é o da manifesta dissonância entre os sectores produtivos da economia e o sector financeiro e ainda menos os problemas originados aos tecidos económicos nacionais pelas absurdas políticas de deslocalização industrial e de redistribuição da riqueza.

Que a crise global continua por resolver é um facto assente e tanto mais evidente quanto após a intervenção estatal em defesa do sistema financeiro são agora os próprios Estados que estão ser colocados no centro da tempestade.

Os recentes acontecimentos no Dubai[1] e as reacções e os comentários à situação na Grécia são disso um sinal claro e um exemplo do que nunca deveria ter ocorrido.

Embora tratando-se de casos distintos (a situação do Dubai resultará fundamentalmente da incorrecta opção por uma estratégia de desenvolvimento sustentada na expansão imobiliária e de uma ligação demasiadamente estreita entre os capitais pessoais da família real e a economia da região, enquanto o caso grego parece resultar fundamentalmente de utilização inadequada dos fundos comunitários da UE que deveriam ter financiado a modernização do seu tecido produtivo) a situação de quase incumprimento do Dubai e a do possível incumprimento grego têm sido tratadas pela imprensa e pela generalidade dos analistas como se de casos iguais se tratasse, fenómeno a que não deverá ser estranho o elevado peso que os “especialistas” de Wall Street e da City ainda têm nesta área.

Analisada da forma correcta, a questão do excessivo peso do endividamento grego não passa de um fogo de vista quando comparado com as monumentais dívidas acumuladas pelos EUA, Grã-Bretanha, situação que aliás um dos “especialistas” na matéria, o Credit Suisse reportava já em Março deste ano.

Descontando o já conhecido caso islandês, constata-se que o trio seguinte é constituído pelos EUA, pela Grã-Bretanha e pela Espanha, com a Grécia a surgir apenas após a Irlanda; embora no caso daquela seja claro o elevado peso da dívida pública no cômputo global, facto que pouco altera a ideia de que muito do “ruído” produzido em torno da questão se deverá principalmente à intenção de criar um cenário de diversão que torne menos problemática a situação americana e inglesa.

Ao longo do ano que agora termina não faltaram na imprensa generalista e na especializada notícias que não visavam mais do que desestabilizar a moeda da UE, primeiro com o famigerado risco bancário dos países da Europa de Leste e agora com a questão da dívida grega.

Mesmo sem querer acompanhar a leitura que os analistas do LEAP fazem da situação[2] para concluir que a “crise grega” pode até constituir um sinal positivo, tanto mais que a situação da economia portuguesa e da sua dívida pública é em muito idêntica, nem por isso me parece menos digno de denúncia e de alerta para esta quase grosseira manipulação da realidade.

É que se as economias mediterrânicas apresentam claros sinais de fragilidade e um evidente sobre endividamento público, não é menos verdade que boa parte do recente agravamento se ficou a dever à desastrada decisão de socorrer os banqueiros que agora se arrogam o direito de “penalizar”[3] aquelas economias pelo papel de intervenção que tiveram.

Já não é apenas uma questão de dualidade de critérios, é uma manifesta má-fé que rodeia e empola todo este processo, em abono do qual se deve dizer que não constituirá senão um terceiro passo[4] no sentido de um bem mais que provável agravamento da crise.
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[1] Ver a propósito o “post” «NAUFRÁGIO À VISTA?»
[2] Ver a propósito o Relatório de Dezembro de 2009.
[3] Sobre esta questão e sobre a situação do endividamento português, ver o “post” «MERGULHO PÚBLICO»
[4] Recorde-se que o primeiro passo foi a crise do “subprime”, despoletada nos EUA, e o segundo a crise de liquidez que se lhe seguiu e em que mergulhou grande parte do sistema financeiro mundial.

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