terça-feira, 8 de dezembro de 2009

SOLUÇÃO DESPREZADA OU DESESPERADA?

A propósito do debate em torno da solução para a crise económica, escreveu o Prof. César das Neves, iniciando a sua última crónica no DN que «[e]xiste uma unanimidade estrutural dos diagnósticos e em grande medida das terapêuticas. Claro que há contestatários, como se impõe na sociedade mediática, mas aqueles que interessa ouvir dizem o mesmo».

Assim, “tout court” o eminente economista resume o debate à simplérrima dicotomia entre “os que interessa ouvir” e os “outros”. Qual “deus ex-machina” o professor da Universidade Católica lança para o limbo do squecimento as opiniões que lhe não agradam ou não lhe interessam ouvir, não sendo por isso de estranhar que se faça eco das teses apresentadas por Vítor Bento e resuma a questão à simples aplicação das cinco medidas a saber:
  • restaurar a competitividade;
  • redireccionar o investimento público e os incentivos ao investimento privado a favor do sector transaccionável;
  • redireccionar os incentivos à produção, também a favor deste sector;
  • flexibilizar o funcionamento da economia e nomeadamente do mercado de trabalho;
  • reduzir, complementarmente, a procura interna para um nível mais sustentável.
Estas caracterizam-se, ou não proviessem de quem provêem, por camuflar o essencial (a flexibilização do mercado de trabalho e a redução da procura interna) com medidas acessórias que no geral não merecerão uma crítica tão directa.

Nenhum economista minimamente consciente pode deixar de reconhecer que do aumento da competitividade deverá resultar um aumento do produto e do rendimento, nem reconhecer as óbvias vantagens do investimento ser canalizado para os sectores geradores de receita; porém, a realidade económica é bem mais complexa que os subscritores desta estratégia pretendem fazer crer, porque além de existir mais que uma forma de aumentar a competitividade – e a mais eficaz e menos utilizada em Portugal é a do investimento na modernização e automação dos aparelhos produtivos – que não só a simplista redução dos custos do trabalho, também a realidade do tecido industrial nacional é bem diversa da dos países industrializados que Vítor Bento e César das Neves usam como modelo comparativo. Na prática o apelo que estes fazem ao investimento público é a clara confissão daquilo que procuram escamotear – a insuficiência do investimento privado.

Se numa economia desenvolvida e com um tecido empresarial financeiramente sólido pode fazer sentido que o investimento público privilegie os sectores não produtivos (saúde, segurança, etc.), já em economias como a portuguesa este tende a substituir os capitais privados inexistentes ou que os seus detentores preferem canalizar para os “off-shores” enquanto os paladinos da livre concorrência e dos equilíbrios financeiros, esquecendo (ou fingindo esquecer) esta realidade pugnam pela redução dos já de si parcos recursos canalizados pelo Estado para as áreas sociais, privilegiando o conceito neoliberal do “trickle-down economic[1], algo de parecido com o que no tempo do Estado Novo era popularmente designado como a “caridadezinha”.

Na actual conjuntura nacional, onde pontifica a estagnação e o desemprego é crescente, apelar a medidas anti-recessivas que se pautem pelo agravar do rendimento real de quem trabalha em benefício de quem pouco mais investe que os benefícios que recebe do Estado não é apenas uma mistificação técnica do processo económico, é uma indignidade social.

Como o próprio Prof. declarou à revista VISÃO (nº874 de 3 de Dezembro de 2009) a questão salarial não é apenas uma questão de natureza económica mas fundamentalmente de natureza política, ficando assim o problema do aumento da competitividade (nos termos em que foi colocado) resumido à flexibilização do mercado de trabalho (que em linguagem corrente significará aumento na taxa de desemprego, com a consequente degradação das condições de vida de um número crescente de famílias, e aumento do trabalho precário), pelo que não será despiciendo pensar que os próprios autores estarão perfeitamente conscientes dos reais objectivos das suas teses, as quais apontam em última análise para a continuação de uma política orientada para a abertura incondicional das economias domésticas aos mercados internacionais e, consequentemente, a quem o condiciona.

Como a definição das regras de funcionamento daqueles mercados é determinada pelas grandes empresas e pelos seus accionistas (os grandes grupos económicos e umas poucas famílias financeiramente poderosas), forçoso se torna concluir que as teses neoliberais (as tais dos que interessa ouvir, na opinião de César das Neves) mais não fazem que submeter o interesse nacional (e o daqueles que cuja única mercadoria que dispõem é a sua própria força de trabalho) àqueles interesses colocando-nos a todos numa situação de mísera dependência.

Porque, cúmulo do cinismo, os economistas que interessa ouvir (ainda e sempre segundo a abalizada opinião de César das Neves) têm razão quando apontam os inconvenientes das políticas que nos têm conduzido a uma situação em que o endividamento público já se situa em 100% do PIB, mas as soluções que propõem são em tudo idênticas às práticas que nos conduziram àquele estado.

É que mesmo argumentando, como o fazem, de que o investimento público no sector transaccionável deverá gerar os meios para fazer face ao pagamento dos juros da dívida originada pelo investimento, esquecem duas realidades:

  1. estão a aconselhar a realização de investimentos em sectores e empresas em que o Estado deteve significativas participações e de cujas privatizações eles mesmos foram acérrimos defensores;
  2. a principal razão para o endividamento público arrastar qualquer economia para situações como a que a nossa atravessa é o facto dos tomadores dessa dívida serem maioritariamente as mesmas empresas financeiras a quem em tempos os estados entregaram o monopólio da criação de moeda;

que por si só demonstram as insuficiências e contradições de uma solução que não pode ser senão desesperada e, pior, ineficaz.
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[1] A teoria do “trickle-down economic”, particularmente cara às correntes neoliberais e monetaristas, pressupõe que as reduções nos impostos e nas taxas que beneficiem as empresas e os rendimentos mais elevados acabarão por beneficiar indirectamente a generalidade das populações; esta teoria baseia-se no princípio de que as classes de rendimentos mais elevados apresentam maior propensão ao aforro e ao investimento e que este gerará empregos e alimentará o conjunto da economia, enquanto as classes mais baixas, por terem maior propensão ao consumo não gerarão qualquer efeito benéfico.

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