sábado, 5 de dezembro de 2009

OLD BLOOD AND GUTS[1]

Após longa e madura ponderação sobre a delicada questão da intervenção norte-americana no Afeganistão, eis que esta semana o presidente Obama, o mais recente prémio Nobel da Paz, anunciou a sua decisão de reforçar o contingente com mais 30.000 soldados e apelou aos restantes aliados da NATO para que reforçassem os seus contingentes[2].

Tanto bastou para reacender a polémica em torno da guerra que a administração de George W Bush iniciou em 2001 a pretexto de perseguir a capturar o presumido responsável pelo atentado do 11 de Setembro, que já custou a vida a mais de 900 soldados norte-americanos, e da qual pouco mais resultou que o aumento da instabilidade na região.

Como se não bastasse o completo fracasso na pretensão de captura de Bin Laden[3], a acção militar teve como principal reflexo a implantação de um novo regime altamente fragilizado e cada vez mais apontado como corrupto, além de ter disseminado a área de influência dos “talibans” para lá da fronteira com o vizinho Paquistão.

Deficientemente preparada e pior organizada, a intervenção no Afeganistão (mesmo considerando o facto desta ter sido organizada a partir de uma estrutura supranacional como é o caso da NATO) teve o condão de evidenciar as ligações do movimento “taliban” com o regime (ou pelo menos com a estrutura militar) do vizinho Paquistão[4] e coloca hoje à administração de Obama mais um problema de resolução complicada, numa região que, ao invés da acalmia precipitadamente anunciada por Bush, regista um recrudescimento de violência que ameaça já a sustentação do próprio governo paquistanês.

A absurda ideia de implantação de democracias mediante o uso da força militar regista não só mais um revés (de que a recente reeleição reconhecidamente fraudulenta de Hamid Karzai é apenas o episódio mais recente) como os efeitos adversos arriscam espalhar-se e envolver os países vizinhos.

Exemplo disso é o recrudescimento da actividade dos extremistas islâmicos na província paquistanesa do Waziristão (estado muçulmano estrategicamente importante por ser detentor de um arsenal nuclear e com conhecido historial de instabilidade política, pois desde a sua fundação tem alternado períodos de ditadura militar com tentativas de consolidação de regimes civis), com o exército de Islamabad a revelar grandes dificuldades na sua contenção a ponto do governo indiano (a outra potência regional com armamento nuclear) já ter começado a transmitir alguns sinais de preocupação, que poderão evoluir até a um maior envolvimento na situação.

Outro factor não menos importante é o facto da produção e distribuição de ópio a partir do Afeganistão ter registado um assinalável acréscimo desde a chegada das forças militares ocidentais.

De um modo geral a questão que a estratégia defendida pelo general Stanley McChrystal coloca é a de saber se o simples aumento do número de soldados será suficiente para resolver a questão afegã.

É que se inicialmente a invasão ordenada por George W Bush era apontada contra a Al Qaeda e o regime “taliban”, a oposição àquela presença militar é hoje principalmente assumida pela etnia “pashtun” (a mesma que conjuntamente com os “taliban” se opôs à invasão soviética iniciada em 1979), facto que poderá estar na origem da reorientação da estratégia norte-americana: dotar “pashtuns” e “tajiques” (o segundo grande grupo étnico) dos meios e da vontade para se oporem com eficácia a uma possível tentativa de recuperação do poder por parte dos “talibans”.

Esta estratégia é tanto mais delicada quanto o próprio Obama lhe fixou um período máximo de vida – 18 meses – findos os quais se deverá iniciar o processo de regresso das tropas americanas.

Mesmo considerando que a fixação de uma data limite foi uma estratégia para consumo interno e principalmente destinada aos opositores à presença militar no Afeganistão, nem por isso esta deixará de ser visto como o erro fatal da nova estratégia. É que mesmo que o prazo venha a ser alargado (como tudo o indica que acontecerá), bastará aos “talibans” resistir até aquela data para poderem reivindicar uma vitória e verem assim reforçada a sua imagem junto dos possíveis apoiantes.

A absoluta falta de liderança na UE e os primeiros sinais de pronta subserviência dados pelos membros europeus da NATO asseguram para já a continuidade à solução decidida por Obama, assim resta-nos esperar para vermos dentro de ano e meio se os EUA e Obama mantém intactas a vontade e a capacidade financeira para suportar o esforço militar, pois os cerca de 100.000 mil soldados norte-americanos que então deverão estar estacionadas no Afeganistão, custarão anualmente ao debilitado orçamento americano 100 mil milhões de dólares. Então veremos se os EUA e os seus financiadores (com a China à cabeça) terão capacidade (ou interesse, atendendo ao facto da presença militar americana na Ásia Central constituir um óbvio entrave à expansão dos interesses regionais da Rússia, do Irão e da própria China) para manter o esforço...
_________
[1] Alcunha pela qual era conhecido entre os seus soldados o general George S. Patton, comandante do 3º Exército dos EUA durante a II Guerra Mundial, como qual realizou a Operação Cobra e liderou o avanço aliado sobre Berlim.
[2] Embora nas primeiras reacções só se tivesse registado a posição inglesa, mais recentemente a BBC já referia o envio de mais 7.000 soldados; o DN refere mesmo que «PORTUGAL DUPLICA FORÇAS NO AFEGANISTÃO», enquanto cita a opinião do general Loureiro dos Santos que assegura que o país tem capacidade para enviar mais um batalhão de 300 ou 400 homens.
[3] Questão que, conforme esta notícia da FOX NEWS, nos últimos tempos conheceu novos desenvolvimentos depois do Comité de Relações Externas do Senado norte-americano (presidido pelo senador e ex-candidato presidencial John Kerry) ter publicado um relatório que atribui a fuga de Bin Laden a uma má preparação do assalto às montanhas de Tora Bora, organizado pelo então secretário de estado da defesa, Donald Rumsfeld, e pelo comandante militar, o general Tommy Franks.
[4] Para entender este fenómeno bastará recordar que durante o período da invasão soviética, foi através do Paquistão (e principalmente por intermédio dos seus serviços secretos) que os EUA e a CIA canalizaram a ajuda económica e militar aos resistentes afegãos (na época os “talibans” e Bin Laden eram aliados fiéis, quando não criações, da CIA e do SIS).

Sem comentários: