quarta-feira, 28 de outubro de 2009

NARAYAMA-BUSHI KÔ[1]

Com a aproximação do Dia Mundial da Terceira Idade, que hoje se assinala, e da realização de uma conferência europeia sobre pobreza e exclusão social, em Bruxelas, várias têm sido as notícias sobre o assunto. Desde a do DIÁRIO DIGITAL que, referindo um recente estudo da DECO, assegura que «40 mil idosos passam fome em Portugal por dificuldades económicas», ou a do PUBLICO que, sustentada nos dados adiantados de um estudo do Eurobarómetro, afirma que «Mais de 40 por cento dos portugueses acham que pobreza aumentou muito», mas nenhuma me impressionou tanto quanto a que o LE FIGARO publicou há dias sobre a situação da Terceira Idade no Japão.

Não que a questão dos baixos rendimentos da esmagadora maioria dos aposentados não seja um problema real (duro, desumano e injustificável), mas pior mesmo parece-me ser a quase total insensibilidade com que os poderes estabelecidos (desde o nível local até ao da UE) têm encarado o problema do envelhecimento das populações e a situação de crescente abandono em que os grupos mais idosos estão a ser obrigados a viver.

Ninguém hoje negará o facto de há muito terem morrido e sido enterradas as velhas estruturas familiares. Longe vão os tempos em que as unidades familiares constituíam uma sólida referência (moral e tantas vezes económica) para as gerações mais novas; impelidos pela necessidade de procurar trabalho (ou apenas aliciados pelas perspectivas de aparentes melhorias de vida) os jovens foram sendo desenraizados para distâncias cada vez maiores dos locais de nascimento enquanto os idosos (seja por razões culturais ou de mero hábito, por arreigada tradição ou um reconhecido medo do desconhecido) a eles permaneceram agarrados e hoje comunidades outrora vivas e dinâmicas transformaram-se em locais desertos de esperança e onde entre dificuldades crescentes se espera a morte.

E entre as dificuldades não se conta apenas os parcos recursos resultantes das baixas reformas e pensões sociais, mas também a quase completa ausência de sistemas de assistência social e até das mais elementares redes sociais.

Este cenário não é exclusivo do interior do país, pois até nas periferias dos principais centros urbanos este já começa a ser um fenómeno recorrente, seja ele originado na sobrecarga dos horários de trabalho (dos que ainda têm trabalho) seja na evidente inversão da pirâmide etária. O abandono dos mais velhos é também consequência da redução da natalidade (ainda e sempre os famigerados factores económicos e sócio-profissionais que determinaram não só a generalizada admissão das mulheres no mercado de trabalho mas também a pressão profissional que sobre elas é exercida durante o chamado período fértil) e da moderna organização do trabalho que ao invés de ter proporcionado menores tempos de trabalho resultou no prolongamento dos horários e nas exigências de disponibilidade que são impostas aos trabalhadores.

A intervenção sobre este cenário não pode ser deixada à responsabilidades dos mais jovens, seja pela urgência seja pelo facto destes poderem ainda não sentir a premência da acção, cabendo na íntegra aos que já vivem a idade activa (e vêem mais próximos os problemas) e aos quais a inércia acarretará um de duas duras realidades: definharem como agora vêem definhar os mais velhos ou prolongarem a permanência na vida activa até ao absurdo...

Mas o mesmo não se deverá dizer relativamente aos governos e aos poderes autárquicos, dos quais se deverá exigir maior intervenção e aproveitamento da conjuntura. É que esta situação de aumento do desemprego pode muito bem constituir uma excelente oportunidade para a utilização de parte da mão-de-obra dispensada para a criação de redes locais de apoio aos mais idosos e para a dinamização de estruturas de apoio aos mais jovens.
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[1] Título original do filme de Shohei Imamura (A Balada de Narayama) que retrata a tradição de uma antiga aldeia japonesa cuja crónica escassez de alimentos conduziu à instituição de uma norma, cujo não cumprimento seria vergonhoso para toda a família, que consistia em transportar os anciãos que completassem 70 anos até ao topo de uma montanha para lá morrerem.

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