sábado, 31 de outubro de 2009

RECESSÃO OU RECUPERAÇÃO?

Quando a Europa se debruça sobre a delicada questão da escolha do futuro presidente da UE (agora que as dúvidas sobre a aplicação do Tratado de Lisboa, se alguma vez as houve, estão totalmente dissipadas), a NATO atravessa a fase mis delicada e mortífera da sua presença no Afeganistão, a generalidade do Médio Oriente vive mais uma fase de recrudescimento da violência bombista (raros têm sido os dias sem notícias de novos e mortíferos atentados no Iraque, no Afeganistão ou no Paquistão), como não escolher para reflexão a notícia que recentemente saltou para a ribalta, anunciando o fim da recessão nos EUA[1].

Com maiores ou menores encómios a generalidade dos meios de comunicação não deixou de embandeirar em arco perante a primeira variação trimestral positiva do PIB americano desde o segundo trimestre de 2008; fazendo fé nos títulos de notícias, como a publicada pelo I, de que a «Economia dos EUA cresce já ao ritmo anual de 3,5%», ou a publicada pelo PUBLICO, que diz que a «Economia dos EUA sai da recessão e cresce 3,5 por cento no terceiro trimestre», poder-se ia inferir que a crise estaria resolvida, porém de uma leitura mais atenta do conteúdo destas notícias e de outras (como esta do LE MONDE) ressalta uma outra realidade.

Primeiro, a taxa de crescimento anunciada para a economia norte-americana é uma taxa anualizada (qualquer coisa de parecido com dizer-se que o crescimento verificado resultaria naquele valor se se verificasse ao longo de doze meses) pelo que o valor real da variação terá rondado os 0,9%. Não é que este valor seja irrelevante, mas é inegável que não tem o mesmo impacto que o número anunciado.

Segundo, o crescimento agora verificado (seja anunciado em termos anuais ou não) representa um crescimento muito inferior ao das quedas registadas nos trimestres anteriores, o que em termos práticos significa que a economia recuperou muito pouco do muito que caiu.

Terceiro, a variação registada num trimestre pode ou não repetir-se nos períodos seguintes, facto tanto mais reconhecido que normalmente só se afirma que uma economia está em situação de recessão quando o decréscimo se repete durante pelo menos dois períodos (aquilo que normalmente se designa por recessão técnica), pelo que a euforia deverá ser adiada até à confirmação ou à negação da tendência agora evidenciada.

Mesmo que se considere natural a forma pronta como a administração Obama já veio lembrar que estes resultados demonstram a justeza das suas políticas anti-recessivas, nem por isso o próprio presidente deixou de assinalar que ainda existe um longo caminho a percorrer até a completa recuperação da economia, como referiu a BBC NEWS nesta notícia.

Mas o mais curioso destas leituras é que os próprios jornais publicam a par destas outras notícias que continuam descrever o estado cada vez mais calamitoso do emprego ou, como o faz o ECONÓMICO, anunciando que os «Banqueiros esperam bónus recorde em 2009». Embora aparente, não existirá grande contradição nestas notícias porque se trata de retratar na prática realidades muito diferentes.

As notícias sobre os crescimentos ou as retracções do PIB (e doutros indicadores económicos) constituem abordagens de carácter técnico e são basicamente oriundas de trabalhos estatísticos que não raras vezes parecem distantes do dia-a-dia que vivemos. As que reportam o encerramento de empresas e o número de trabalhadores despedidos ou a despedir, resultam da realidade empresarial que pode ser tão diversa quão díspar é a dimensão das empresas e se algumas são fruto das dificuldades das economias e da redução do consumo em geral, outras prefiguram estratégias de gestão para assegurar a manutenção ou o aumento do volume dos resultados mediante a mera redução dos custos (os mais fáceis de aplicar) e de efeito mais rápido.

Já as que dizem respeito às expectativas de ganhos dos banqueiros servirão principalmente para reforçar a ideia de que ao contrário do muito que se tem dito e escrito sobre a necessidade de reformar o sistema financeiro mundial, nada foi realmente feito nesse sentido.
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[1] Exemplo disso é esta notícia do FINANTIAL TIMES, da autoria de John Authers.

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