domingo, 1 de fevereiro de 2009

A MONTANHA MÁGICA

Davos terá sido na perspectiva de Thomas Mann[1] o local ideal para situar o cadinho cultural e emocional onde se desenrola a acção de A MONTANHA MÁGICA, um dos seus mais famosos romances, e talvez isso, ou outro qualquer sentimento, tenha ditado a sua escolha por Klaus Schwab[2], no já distante ano de 1971, como local para a realização anual do Fórum Económico Mundial.

Mais que nunca haverá agora, com a crise mundial instalada, quem espere verdadeiros milagres da sessão de 2009; mas, serão essas esperanças fundamentadas?

Poderão os principais responsáveis políticos, económicos e ideológicos pela propagação do mais irrealista dos mitos reequacionar tudo o que disseram e fizeram ao longo das últimas décadas para reinstalar um novo modelo de desenvolvimento económico e social que respeite os verdadeiros interesses das pessoas?

As mentes que conduziram os destinos de nações e os interesses das grandes corporações (e que abjectamente tentaram convencer-nos que esses interesses eram concomitantes) poderão conceber e implementar um modelo de desenvolvimento que valorize os indivíduos pelo seu “saber ser” e “saber fazer” e não pela subserviência?

É que a resolução para os problemas que afectam as economias mundiais, mergulhadas numa crise económica e financeira que já se vai começando a reconhecer como histórica, não se pode resumir à forma de ultrapassar o mais rapidamente possível esta dificuldade. Deixar a procura de soluções para a crise nas mãos dos apologistas e crentes na superioridade do livre funcionamento do mercado, não poderá resultar senão nas políticas que temos conhecido e na rápida criação das condições para o início de novo ciclo especulativo e, consequentemente, da nova crise.

Bem podem os políticos, como o fez Durão Barroso, clamar que «ou nadamos juntos, ou afundamos juntos» ou os banqueiros trocarem acusações entre si, que o essencial da questão continuará por responder, e nem a voz abalizada de Nouriel Roubini[3], que além de avisar que os «prejuízos financeiros podem chegar aos 3,6 biliões de dólares» também foi dizendo que a maioria dos bancos americanos estão insolventes e sem a reforma das regras que regem os mercados financeiros a economia mundial continuará a enfrentar a ameaça de mais “bolhas” especulativas, faz muito mais que apontar os erros do passado.

Não que esperasse do Fórum Económico Mundial ou do rival Fórum Social Mundial[4] algo de extraordinariamente relevante para a resolução da actual crise económica, seja porque o primeiro integra os autores teóricos e materiais da crise, seja porque a grande heterogeneidade dos membros do segundo dificilmente poderá originar uma proposta de solução estruturada e consistente; essa frustração é bem expressa por Boaventura Sousa Santos[5], que nesta notícia da GLOBO assegura que «se o Fórum Social não der uma solução, (o Fórum Económico Mundial de) Davos (Suíça) o fará» e esta «será mais capitalismo e menos direitos», o que obriga o Fórum Social a «apresentar soluções reais».

Na prática tudo vai terminar quase como começou, e assim, caso não surja a breve trecho um forte movimento de contestação aos que nos conduziram a esta situação (e alguns prenúncios já começam a surgir, casos das manifestações que na Islândia já originaram a queda do governo de Geir Haarde[6] ou a paralisação que esta semana se verificou em França[7]), que motive o debate em torno das soluções que minimizem os efeitos da crise e force as mudanças é bem provável que os efeitos negativos da crise perdurem bem para além dela.

A gravidade da actual situação, que segundo o último relatório do LABORATOIRE EUROPÉEN D’ANTECIPATION POLITIQUE se aproxima de uma fase de insolvência geral, obriga o aprofundamento do debate em torno de questões como:

  • a aplicação de políticas diferenciadoras, traduzidas na substituição do modelo de uma economia meramente consumista e orientada para o lucro rápido por outra mais solidária e acompanhada de uma efectiva política de redistribuição da riqueza;
  • a integração no novo paradigma económico dos reais efeitos dos ganhos de produtividade realizados nas últimas décadas (em resultado dos desenvolvimentos tecnológicos) que obrigatoriamente terão reflexos sobre o volume de mão-de-obra necessário;
  • a alteração radical das regras de funcionamento dos mercados de capitais por forma a reduzir-se ao mínimo os efeitos perversos da especulação;
  • a recuperação do controlo dos mecanismos de criação de moeda pelos estados;

que, quando efectivamente resolvidas, poderão dar origem a um novo ciclo de desenvolvimento no qual o crescimento não deverá ser sustentado por um mero processo de enriquecimento individual.
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[1] Escritor alemão (1875-1955), considerado por muitos críticos como um dos maiores romancistas do século XX, autor de obras como OS BUDDENBROOKS (a obra que lhe granjeou notoriedade), MORTE EM VENEZA e A MONTANHA MÁGICA.
[2] Economista e empresário suíço (de naturalidade alemã) fundador do Fórum Económico Mundial, associação sem fins lucrativos, que se converteu na principal reunião mundial de políticos, empresários e intelectuais.
[3] Economista, natural da Turquia mas de ascendência judaica, é professor na Universidade de New York e considerado pela generalidade da imprensa como o primeiro a profetizar a crise do “subprime”. Embora na época já outros analistas se referissem às fortes probabilidades do rebentamento da bolha do imobiliário nos EUA e à entrada em recessão daquela economia, nomeadamente os membros do “think tank” europeu LABORATOIRE EUROPÉEN D’ANTICIPATION POLITIQUE, não se lhe pode retirar o mérito de se ter apresentado há dois anos em Davos a anunciar a eminência da crise.
[4] Evento de âmbito mundial, cuja organização é partilhada por vários movimentos sociais e ONG’s com objectivo de discutir temas relevantes e alternativas que julgam adequadas para questões sociais. Proposto inicialmente como contraponto ao Fórum Económico Mundial (normalmente realiza-se na mesma data) e como principal fórum do movimento anti-globalização tem-se notabilizado principalmente pela grande diversidade dos participantes e uma constante orientação de natureza ecológica.
[5] Sociólogo e professor universitário, natural de Coimbra, é reconhecido como um dos principais intelectuais na área das ciências sociais, notoriedade que lhe adveio das suas intervenções em anteriores edições do Fórum Social Mundial.
[6] Ver a notícia da BBC NEWS.
[7] Ver a propósito a notícia do PUBLICO e o comentário de Jorge Heitor, «França: Greve geral está a ser o grito de alarme para a crise», no mesmo jornal.

1 comentário:

Anónimo disse...

A Globalização, tal como foi concebida, vai determinar o fim da Europa social que conhecemos.
Não se trata apenas da crise bolsista e monetária, o Ocidente caiu numa armadilha chamada Globalização que as grandes Companhias lhe venderam com promessas que desconheço mas que visavam maiores lucros para essas companhias, pois pretendiam aproveitar-se dos baixos custos de produção do extremo oriente, em virtude dos baixos salários e da inexistência de obrigações sociais. O resultado não será o esperado porque esses países têm ainda um baixo poder de compra e os altos níveis de produção destinava-se sobretudo à exportação para o ocidente onde se encontram as populações com maior poder de compra, agora em rápido declínio, fruto do descalabro económico e financeiro e da tal globalização. Ao aderiram ao desafio dessa globalização, os países da União Europeia (e não só) prometeram ao seus cidadãos que as suas economias se tornariam mais robustas e competitivas (não sei bem como) e não exigiram aos países do oriente que prestassem às suas populações melhores condições sociais, como: regras laborais justas, melhores salários, menos horas e menos dias de trabalho, férias anuais pagas, assistência na infância, na saúde e na velhice para poderem aceder livremente aos mercados do ocidente; optaram por abrir fazeadamente as portas à importação sem essas condições, criando assim uma concorrência desleal e “selvagem” da qual o ocidente nunca poderá ganhar. A única solução seria a e de nivelar as condições sociais do ocidente pelas desses países e que são miseráveis. É a isso que estamos a assistir neste momento. Acresce que os países cujas portas o ocidente franqueou nem sequer estão comprometidos com a defesa do ambiente e as suas tecnologias são mais baratas mas altamente poluidoras o que ajuda ainda mais a ditar a “sentença de morte” do ocidente.
Mas será que os trabalhadores da Europa e do ocidente vão aceitar trabalhar a troco de um ou dois quilos de arroz por dia, sem direito a descanso semanal, férias, reforma na velhice, etc...? Não! O resultado será um lento definhar em direcção ao caos enquanto umas empresas fecham portas para sempre, outras se deslocarem para a China ou para Índia para não serem sufocadas pela concorrência. Entretanto, no ocidente a indigência, a marginalidade e o crime mais ou menos violento irão crescer cada vez mais e atingir níveis inimagináveis, apenas vistos em filmes de ficção ou referidos nos escritos bíblicos do apocalipse. A época áurea Europa e do ocidente será coisa do passado. Espera-nos uma espécie de nova “Idade Média” onde restarão uns quantos previlegiados, protegidos por alta segurança, enquanto desaparecerá a classe média e de remediados. Há que recuar e já é tarde!

Zé da Burra o Alentejano