quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

CHÁVEZ (OU OUTRO QUALQUER) PARA SEMPRE...

O referendo que no último fim-de-semana teve lugar na Venezuela eliminou a limitação constitucional do número de mandatos.

Não faltou, por isso, quem glosasse o tema em crónica (como o fez Manuel Queirós em «
CHÁVEZ ATÉ ‘DOIS MIL SEMPRE’») ou em imagens (como o caricaturista Dave Brown) ou de pronto referisse de forma depreciativa o “slogan” «CHÁVEZ PARA SEMPRE», esquecendo talvez a verdadeira essência do problema.

É que se uma das leituras possíveis do resultado do referendo é a de uma possível perpetuação de Hugo Chávez como presidente da república, aquele simples resultado não garante nada disso. Mesmo discordando da eliminação do princípio da limitação do número de mandatos, e por isso mesmo encarando o resultado do referendo com as devidas cautelas, nada garante que a opção realizada constitua uma catástrofe para a Venezuela.

Mesmo reconhecendo os evidentes tiques populistas e ditatoriais de um personagem como Hugo Chávez, parece-me mais importante referir aqui outros sinais que muitos têm deixado passar mais ou menos em claro, ou que raramente têm sido sistematizados.

Esta não foi a primeira tentativa para fazer aprovar a emenda constitucional; a anterior fracassou e na sua sequência os partidários de Chávez cerraram fileiras voltaram à luta e mudaram o resultado. Isto é, além de um claro sinal de mobilização, um factor que importa não esquecer nem escamotear: os “chavistas” apresentam-se organizados e coesos.

Enquanto alguma imprensa se fez eco de possíveis fraudes eleitorais[1], a generalidade reconhece a validade de um resultado como os próprios EUA já o fizeram. Para a história ficará uma taxa de participação de cerca de 70% do eleitorado (um valor que faz inveja a muitos sufrágios em países tidos como bem mais democráticos) e uma diferença de quase dez pontos percentuais (54,36% contra 45,63%), que permite poucas dúvidas sobre o resultado.

Este resultado e a popularidade de Chávez poderão ser fruto da actual riqueza da Venezuela, que por estar alicerçada numa matéria-prima, como o petróleo, objecto de grande procura estará directamente ligada à sua existência e à capacidade que os “chavistas” revelarem para a utilizar em maior benefício da maioria da população. Embora mal recebidas pela generalidade dos investidores, as decisões até agora tomadas, incluindo a da nacionalização dos sectores da electricidade e das telecomunicações, têm recebido bom acolhimento interno, tudo factos que terão ajudado a subir a popularidade do líder e a fragilizar a oposição.

No plano regional, mesmo entre avanços e recuos, Chávez tem cimentado a sua posição de grande candidato a líder, que mais não seja junto de países como a Bolívia, a Nicarágua e Cuba, com os quais partilha o sonho da revolução Bolivariana, por muito que isto doa aos EUA (que seguindo a velha doutrina Monroe[2] continuam a considerar a América Latina como o seu quintal privativo) ou ao próprio Brasil que assim vê desafiada a sua pretensão de potência regional.

Talvez para os não sul-americanos isto possa parecer ridícula a invocação de Simão Bolívar – para mais em pelo século do auge da globalização – mas ao que tudo indica, continua bem viva na região a memória daquele que os libertou do colonialismo espanhol, que além de ter imposto pela força a religião católica parece também ter difundido profundamente as raízes da cultura “caudilla[3], fenómenos talvez com ligações bem mais profundas (como sugere este “cartoon” de Rainer Hachfeld) do que muita gente gostará de assumir.

De qualquer forma, talvez os receios até se possam revelar infundados pois a percentagem expressa nas urnas dos apoiantes do “chavismo” têm apresentado alguns sinais de enfraquecimento e a própria conjuntura de recessão mundial, com o inevitável decréscimo das receitas do petróleo, poderá representar obstáculo bastante à reeleição de Hugo Chávez...

De uma forma ou outra, o perigoso precedente de permitir a perpetuação no poder, seja de quem for, constitui um sinal sempre negativo sobre a maturidade política de qualquer eleitorado.
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[1] Veja-se a título de exemplo esta notícia do CORREIO DA MANHÃ.
[2] James Monroe foi o quinto presidente dos EUA, entre 1817 e 1825, deixou o seu nome indissociavelmente ligado a uma doutrina com o seu nome que repudiava a intervenção da Europa nos países do continente Americano e atribuía aos EUA o papel de mediadores e orientadores das políticas externas dos países latino-americanos sob a máxima: A América para os americanos.
[3] Refiro aqui o conceito de cultura “caudilla” como expressão para definir uma liderança autoritária de natureza político-militar. Este tipo de regimes, mais ou menos ditatoriais, foram particularmente comuns na América Latina, nos séculos XIX e XX, quando pontificaram alguns líderes eminentemente militares; a suas origem pode ser remontada ao período final do Império Romano, quando pontificaram as figuras dos “césares” e foram recuperadas na Europa em meados do século passado com o regime nacional-socialista do alemão Adolf Hitler, ou os regimes fascistas do italiano Benito Mussolini ou do espanhol Francisco Franco, que perdurou em Espanha até 1975.

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