terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

NOVA ARQUITECTURA FINANCEIRA?

As notícias divulgando as intenções de um consenso europeu para a concertação de uma nova arquitectura financeira mundial, que têm circulado nos últimos dias, deverão, ou não, merecer um aplauso favorável de todos nós?

Embora um primeiro impulso possa ser o de uma opinião positiva, quem pondere um pouco mais a sua resposta dificilmente manterá o mesmo parecer, tais são as fragilidades da proposta oriunda da reunião que no passado fim-de-semana mantiveram em Bona um grupo de líderes europeus[1]. Declarações pomposas à parte, o grupo parece apostado em levar à próxima reunião do G20 (que terá lugar em Londres, no dia 2 de Abril) propostas para a regulação dos fundos especulativos, a penalização dos paraísos fiscais e o aumento dos recursos financeiros do FMI para 500 mil milhões de euros; tudo boas intenções, mas com que efeito real?

Quando se torna cada vez mais óbvia a enorme responsabilidade da ausência de regulamentação nos mercados de capitais no avolumar da crise, parece evidente a necessidade de corrigir a situação, bem como a de pôr cobro ao funcionamento descontrolado dos “offshores”, mas isso dificilmente resolverá a situação quando se constata que a raiz do problema é muito mais profunda e que a crise, despoletada na esfera financeira e cada vez mais evidente na continuada fragilidade da banca, apresenta raízes económicas bem mais profundas.

O discurso com que a actual secretária de estado Hillary Clinton se apresentou em Pequim – apelando aos chineses para não suspenderem a aquisição de títulos do tesouro americano[2] – também não só não ajuda a esclarecer as origens da crise, salvo no que respeita ao excessivo endividamento externo norte-americano, como pode até servir para reforçar a antevisão que o “think tank” europeu LABORATOIRE EUROPÉEN D’ANTECIPATION POLITIQUE formulou num comunicado em meados de Janeiro deste ano onde previa a possibilidade da economia norte-americana entrar ainda este ano em insolvência.

Sobre as razões de o Mundo inteiro ter chegado a uma situação de endividamento insustentável pouco ou nada se diz e ainda menos se ensaiam soluções que não passem pela contínua injecção de dinheiros públicos no sector financeiro, como se pode confirmar por esta notícia do NEW YORK TIMES que relata a existência de conversações entre o governo e a administração do CITI no sentido daquele passar a deter parte significativa do seu capital. Curiosamente esta opção é, no mesmo dia, defendida pelo habitual colunista daquele jornal, o prémio Nobel da Economia Paul Krugman, no artigo de opinião «Banking on the brink» onde postula a favor da nacionalização dos bancos que necessitem de profundas restruturações financeiras.

Quando todas as cabeças (bem) pensantes continuam apostadas em não ver mais que a árvore na floresta não será de estranhar que as propostas de soluções apresentadas não passem de meros paliativos para um problema de fundo que ninguém parece querer ver. Onde nos levarão propostas como a defendida por Paul Krugman senão à preparação da próxima crise, pois a beatífica intenção de sanear financeiramente os bancos em dificuldades (leia-se os bancos cujos activos são manifestamente insuficiente para a cobertura do passivo mais das perdas potenciais) nunca resolverá o problema de fundo que continua a ser o da escassez de meios financeiros na economia, tanto mais que continuarão a ser os banqueiros, fomentadores dessa escassez, a lucrar com ela.

Nesta conjuntura em que ficarão as ténues propostas europeias?

Pretender regular apenas os fundos especulativos, mesmo que esse seja um dos pontos de maior risco dos mercados, e propor uma penalização dos paraísos fiscais, reconhecidos como grandes responsáveis pela falta de transparência e de confiança que grassa nos mercados financeiros, é na actual conjuntura manifestamente muito pouco para combater a crise.

Propostas credíveis para a construção de uma nova ordem financeira terão que assentar em princípios muito mais sólidos e certamente pouco do agrado da elite financeira; terão que começar por uma regulamentação dos mercados de capitais que minimize os efeitos negativos da especulação pela especulação (aquilo que alguns autores designam por economia de casino, onde se “aposta” na subida ou descida da cotação de um produto financeiro como se se estivesse a apostar no “preto” ou no “vermelho” de uma roleta), que imponha limites adaptados à realidade para os volumes de transações de produtos derivados (como explicar que anualmente se negoceiam nas bolsas mundiais contratos sobre mercadorias que representam várias vezes a respectiva produção mundial) e que, numa palavra, reconduza os mercados de capitais àquilo que nunca deviam ter deixado de ser – um meio de financiamento alternativo para as empresas.
____________
[1] Na reunião estiveram as seis maiores economias da zona euro (Alemanha, Inglaterra, França, Itália, os quatro países com assento no G7 e a Espanha e a Holanda), os presidentes do Eurogrupo, da Comissão Europeia e do BCE e o presidente em exercício, o primeiro ministro checo Mirek Topolanek.
[2] Veja-se a notícia «Clinton apela à China para que continue a comprar dívida dos Estados Unidos» no JORNAL DE NEGÓCIOS.

Sem comentários: