sexta-feira, 21 de abril de 2006

A OCDE E O ENSINO EM PORTUGAL

O PUBLICO noticiou hoje, com particular destaque, o facto do relatório da OCDE sobre Portugal recomendar a necessidade de aumentar as propinas no ensino superior, como forma de aumentar a justiça social e a eficiência daquele nível de ensino.

Os técnicos daquele organismo – cuja principal finalidade é a de coordenação de políticas económicas e a produção de estudos orientadores para os estados membros – defendem aquele princípio por entenderem que os custos que o Estado suporta com aquele grau de ensino beneficiam as camadas sociais de rendimentos mais elevados e cujos jovens virão, mais tarde, a colher largos benefícios monetários e ainda porque do aumento das propinas deverá resultar uma maior pressão sobre as escolas para melhorarem a qualidade do ensino e maiores disponibilidades financeiras para estas realizarem os investimentos de que necessitem e contratarem os melhores professores.

Porque se trata de um organismo minimamente credível a OCDE adiciona à proposta de aumento das propinas universitárias o lançamento de programas de bolsas de estudo e empréstimos, a cargo do Estado, para apoiar os estudantes com menores recursos.

Observando a realidade do nosso país através de estatísticas e outra informação da mesma natureza, a proposta da OCDE parece fazer todo o sentido, inserindo-se mesmo no princípio liberal, bem na moda, do utilizador-pagador; porém, como nós que aqui vivemos bem o sabemos, uma coisa é a observação asséptica da realidade portuguesa e outra a forma como as coisas realmente acontecem. No caso concreto o montante actual de propinas no ensino superior é fixado por cada uma das escolas, havendo um valor máximo determinado pelo Governo. Tendencialmente todas as universidades fixam as respectivas propinas no valor máximo, ou muito próximo dele. Já existem apoios estatais, como sugere a OCDE, para os estudantes de rendimentos mais baixos sob a forma de bolsas (a opção de financiamento ainda reveste a forma de monopólio bancário) pelo que parece não estarmos tão longe quanto isso do modelo proposto; porém, a realidade bem diversa do que aparenta.

O montante anual das propinas universitárias ronda já os 1.000 euros (valor que não sendo exagerado representa mais que um salário mínimo nacional) podendo ser reduzido em cerca de 50% caso o aluno beneficie de bolsa de estudos.

Ora bem, é aqui que começam as singularidades do nosso país, uma vez que:
  1. os principais beneficiários dessas bolsas são os alunos cujos progenitores apresentam menores valores de rendimentos declarados em sede de IRS, mas não obrigatoriamente os que auferem rendimentos mais baixos, que o mesmo é dizer que a maioria dos trabalhadores por conta de outrem (que não beneficiam da escandalosa vantagem de poderem usufruir de rendimentos não sujeitos ao citado imposto) acabam por suportar maiores custos de educação;
  2. as estatísticas em Portugal garantem uma elevada taxa de desemprego (75%) aos recém licenciados, facto que anula de imediato o argumento dos grandes benefícios salariais que virão a auferir;
a estas gritantes desigualdades acresce que nenhuma universidade portuguesa apresenta características idênticas às suas congéneres anglo-saxónicas (países que adoptaram há muito modelos como o que sugere o relatório da OCDE), que paralelamente com a vertente de ensino dispõem de infra-estruturas (residências estudantis e outras estruturas de apoio) destinadas aos seus alunos e disponibilizam elas próprias mecanismos de financiamento, além de outras formas de apoio (bolsas de estudo) em regime de mecenato.

É evidente que uma universidade com maiores disponibilidades financeiras, sejam elas resultantes de propinas, de subvenções públicas ou mecenatos empresariais, tenderá sempre a dispor de melhores equipamentos (edifícios e materiais didácticos), de melhores professores e, “last but not least”, de melhores alunos, só que ainda estamos muito longe de semelhante cenário… e continuaremos a afastar-nos enquanto se permitir a quase anarquia que tem sido a proliferação de cursos superiores em escolas que os oferecem não para responder à procura dos estudantes mas para induzirem essa mesma procura.

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