segunda-feira, 28 de novembro de 2005

A CIMEIRA DA INCOMPREENSÃO

A notícia do dia é a Cimeira Euromediterrânea, as ausências, o seu desenrolar e os parcos ou nulos resultados.

Iniciativa promovida pela União Europeia, normalmente realizada ao nível de ministros dos negócios estrangeiros, deveria contar com a presença de chefes de governo dos países organizadores e das nações árabes, porém as ausências são a regra.

Os promotores, por intermédio de Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, definiram as seguintes prioridades para a região nos próximos anos:

- Fazer progredir a democracia e os direitos humanos na região através do fortalecimento do diálogo político e da cooperação, incluindo a instalação de uma “linha de governância”.
- Abrir e expandir oportunidades económicas e auxiliar a criação de emprego, particularmente através da conclusão da Área de Comércio livre até 2010, e alargar o comércio livre à agricultura e serviços.
- Travar a imigração mediante uma abordagem mais estratégica que aponte para optimizar os benefícios da migração para todos os parceiros e previna as tragédias humanas no Mediterrâneo resultantes das tentativas de entrada ilegal na União Europeia.
- Facilitar o acesso geral à educação básica e cooperar com os países parceiros para aumentar a qualidade da educação.

Quando a própria Comissão admite aqui que a «...Cimeira ocorre num cenário de crescente actividade terrorista em ambos os lados do Mediterrâneo, de uma série de tragédias humanas relacionadas com migrações e de significativa agitação civil/étnica em partes da Europa» torna-se difícil acreditar que alguém de bom senso admita a hipótese de sucesso para esta iniciativa. Apenas Durão Barroso se vai desmultiplicando em declarações optimistas.

De acordo com uma notícia de O PRIMEIRO DE JANEIRO o próprio «...presidente do parlamento europeu lamentou ontem a ausência de líderes árabes da Cimeira, interpretando-a como um “símbolo do desencontro” entre as duas margens do Mediterrâneo. A sua presença teria sido de uma grande utilidade e servido para um compromisso político mais poderoso a favor da parceria euro-mediterrânica, disse Josep Borrell».

Provando que a questão fulcral que está por detrás desta cimeira é a do terrorismo (e em particular a do terrorismo islâmico) é a ausência de Israel, a determinação do Egipto em fazer distinguir terrorismo de resistência à ocupação e o desejo da Comissão Europeia de ver aprovado um código de conduta contra o terrorismo.

Felizmente Durão Barroso não vai somar mais um fracasso à sua lista de fracos resultados e deste talvez ele não fosse o maior responsável.

As intenções europeias esbarram, como muito bem recorda Fernando de Sousa correspondente do DIÁRIO DE NOTÍCIAS em Barcelona, porque os «...parceiros do Sul, têm acusado a Europa de não ter feito o suficiente para desenvolver o diálogo e ultrapassar os preconceitos que os europeus têm acerca dos países árabes. Uma das exigências passa por uma maior abertura dos mercados europeus aos produtos árabes, de modo a que estes países possam apresentar-se como bases mais interessantes para o investimento estrangeiro, gerador de desenvolvimento e de estabilidade».

Neste cenário, parece-me ideia canhestra, nesta fase das relações com os países islâmicos, pretender fazer depender a ajuda ao desenvolvimento económico e à educação (indispensáveis para a Europa ver reduzida a pressão que sofre em resultado dos movimentos migratórios de um sul cada vez mais pobre para um norte sem vontade (política e económica) para os receber) da aceitação de princípios (democracia e direitos humanos) claramente contraditórios com a matriz de pensamento islâmico.

Esta terá sido a principal razão para a ausência dos chefes de estado árabes que dificilmente conseguem conciliar os seus interesses pessoais com os princípios religiosos dos povos que governam e ainda menos a contradição entre o apoio às políticas norte-americanas de combate ao terrorismo e o indisfarçável financiamento das lutas palestiniana, iraquiana e afegã (que se não é realizado de forma directa é-o indirectamente através de algumas das suas principais figuras).

Das difíceis negociações à volta de tantos interesses contraditórios (princípios europeus de democracia e liberdade, princípios árabes de organização religiosa do estado, interesses israelitas de ocupação territorial e desejo palestiniano de um estado independente) resultou um Código de Conduta Antiterrorista limpo da referência à necessidade de regresso às fronteiras israelitas de 1967 e do "direito à resistência" reclamado pelos líderes árabes que terão procurado “salvar a face” para consumo interno ao não subscrevem a declaração comum.

Fazendo depender a manutenção dos programas de auxílio económico da condenação do terrorismo, a União Europeia deu um seguro contributo para a manutenção do clima de instabilidade no Médio-Oriente uma vez que os pouco estáveis regimes muçulmanos daquela região irão encontrar um acréscimo de dificuldades da parte dos extremistas islâmicos.

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