Têm sido
recorrentes na última semana as notícias sobre a localidade síria de Ghouta.
Não há meio de comunicação ocidental que se preze que não o tenha apresentado
em cabeçalho ou notícia principal, referindo essencialmente o número de mortos
originado pela ofensiva das forças sírias contra um dos últimos bastiões da
oposição.
Por
contraposição a outras iniciativas que tiveram lugar na já longa guerra civil
síria – sim, o que ocorre naquela região do Médio Oriente é uma guerra civil
alimentada por disputas pela hegemonia regional e pelos ancestrais interesses
geoestratégicos de russos e americanos – o que está agora a ser relatado como
um genocídio perpetrado pelo regime de Bashar Al Assad não deverá ser muito
diferente do resultado de muitas outras ofensivas levadas a cabo sob o alto
patrocínio das potências ocidentais na região. Recordem-se as ofensivas contra
o Daesh, na Síria e no Iraque, ou até as quase silenciadas operações sauditas
no não menos martirizado Iémen e tenha-se uma ideia do real quadro na região.
É evidente que todas as baixas civis ou militares devem ser lamentadas, mas a nossa objectividade não pode ser sempre sacrificada em nome dos mesmos interesses, para mais num conflito e numa região onde estes têm assumido uma geometria cada vez mais ao sabor dos humores e da agenda norte-americana. Depois duma guerra Irão-Iraque, alimentada na sequência do derrube do Xá Reza Pahlavi por uma oposição liderada pelos ayatollah xiitas, de duas guerras contra o iraquiano Saddam Houssein, a última das quais quase irradicou um dos países artificialmente criados pelo acordo Sykes-Picot (pacto secreto entre os governos do Reino Unido e da França que, admitindo a hipótese de derrota e aniquilação do Império Otomano na I Guerra Mundial, definiu as respectivas esferas de influência no Oriente Médio e criou o actual mapa político da região), eis-nos agora a atravessar um período que poderá ser definido como de recomposição e reajustamento do intricado xadrez local e onde nunca pode ser esquecido o papel desestabilizador doutra criação artificial das potências ocidentais: o Estado de Israel.
Continuar a difundir
a imagem de carniceiro de Bashar Al-Assad, como antes se fez com a de Saddam
Housein, ou enfatizar apenas o papel do Irão ou da Rússia de Putin enquanto se
esquece o da Arábia Saudita, o de Israel e dos EUA, apenas ajuda a alimentar os
diferendos regionais e a dificultar qualquer solução. O fundamental desígnio de
pacificação da Síria (como o de qualquer outra região ou conflito) não pode ser
alcançado a partir duma visão enviesada da realidade que o tem alimentado, nem
dos seus intervenientes directos e indirectos.
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