domingo, 9 de outubro de 2016

O MUNDO FALIDO

A publicação pelo FMI do seu boletim semestral “Fiscal Monitor” trouxe na semana que terminou a assinalável “novidade” de que a «Dívida privada vale 100 biliões de dólares no mundo».

Segundo os cálculos apresentados pelo FMI o valor para a dívida não financeira mundial (ou seja o valor devido pelos estados, as empresas e as famílias) ascenderá a 152 biliões de dólares, qualquer coisa como 225% do PIB mundial, dois terços dos quais (os tais 100 biliões) serão dívidas das empresas e famílias e o restante dívida pública. Daqui se infere que o agregado empresas e famílias representará mais de 140% do PIB mundial, enquanto os estados representarão pouco mais de metade daquela percentagem, o que ainda assim não deixa de constituir, no entendimento do FMI, um risco acrescido para a redução do processo de endividamento global.

Recordando a recente prática de conversão de “nacionalização” da dívida privada (o processo de saneamento financeiro e consolidação no sector bancário não tem sido outra coisa que uma privatização dos lucros a par de uma nacionalização dos prejuízos), entende-se o porquê da acrescida preocupação dos técnicos do FMI, em especial quando constatam que nas economias ocidentais (mercados do dólar e do euro) o peso da dívida pública ronda os 160% do PIB.


O que custa mais a entender é que as contas do FMI não acertam com as do IIF (Instituto da Finança Internacional) para quem a «Dívida global vale mais de três vezes a economia mundial», pois ao estimar a dívida global em 216 biliões de dólares, mais de 320% do PIB mundial, eleva para 162 biliões de dólares a dívida das empresas e famílias e estima em 54 biliões a das entidades financeiras, número que apresentado sem grandes explicações adicionais me deixa enormes dúvidas sobre a sua real dimensão, quando é sabido que as maiores instituições financeiras (as tais que se arrogam de “too big to fail”) têm mantido a prática de operações OTC (“over the counter”, ou seja sem registo em qualquer entidade externa às contrapartes) e fora do balanço (só são contabilizadas na data de maturidade) que são precisamente as que originam maior alavancagem ao negócio e onde os níveis de risco não conhecem limites.

Desconhecendo-se estes valores é possível admitir que o actual problema do Deutsche Bank não passe duma brincadeira de crianças ou o colapso do Lehman Brothers não tenha passado duma tempestade de Verão face ao tsunami financeiro que ninguém pode garantir não venha a ocorrer, enquanto for permitida esta opacidade no mundo financeiro.

É igualmente digno de nota que os grandes especialistas teçam comentários sobre o assunto do tipo dos ouvidos a Vítor Gaspar, director do Departamento de Assuntos Orçamentais do FMI e ex-ministro das Finanças português, para quem a «Dívida privada excessiva é um 'actor ruim'» e que embora reconheça que a crise financeira de 2008 se ficou a dever à tal transformação da dívida tóxica privada em dívida pública (que continua a ser a solução preconizada pelo FMI) e refira a necessidade duma “desalavancagem inteligente” da dívida, nada adianta sobre tal estratégia nem parece preocupado com os tais biliões de dólares por contabilizar. Bem mais curiosa foi a reacção de Manuela Ferreira Leite (também ela ex-ministra das Finanças) quando se afirmou "perplexa"com o estudo 'inconsequente' do FMI, por, espanto dos espantos, assim parecer que o mundo está para falir...

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