A publicação
pelo FMI do seu boletim semestral “Fiscal
Monitor” trouxe na semana que terminou a assinalável “novidade” de que a «Dívida
privada vale 100 biliões de dólares no mundo».
Segundo os cálculos
apresentados pelo FMI o valor para a dívida não financeira mundial (ou seja o
valor devido pelos estados, as empresas e as famílias) ascenderá a 152 biliões de
dólares, qualquer coisa como 225% do PIB mundial, dois terços dos quais (os
tais 100 biliões) serão dívidas das empresas e famílias e o restante dívida
pública. Daqui se infere que o agregado empresas e famílias representará mais
de 140% do PIB mundial, enquanto os estados representarão pouco mais de metade
daquela percentagem, o que ainda assim não deixa de constituir, no entendimento
do FMI, um risco acrescido para a redução do processo de endividamento global.
Recordando a recente
prática de conversão de “nacionalização” da dívida privada (o processo de
saneamento financeiro e consolidação no sector bancário não tem sido outra
coisa que uma privatização dos lucros a par de uma nacionalização dos prejuízos),
entende-se o porquê da acrescida preocupação dos técnicos do FMI, em especial
quando constatam que nas economias ocidentais (mercados do dólar e do euro) o
peso da dívida pública ronda os 160% do PIB.
O que custa
mais a entender é que as contas do FMI não acertam com as do IIF (Instituto da
Finança Internacional) para quem a «Dívida
global vale mais de três vezes a economia mundial», pois ao estimar a
dívida global em 216 biliões de dólares, mais de 320% do PIB mundial, eleva
para 162 biliões de dólares a dívida das empresas e famílias e estima em 54
biliões a das entidades financeiras, número que apresentado sem grandes
explicações adicionais me deixa enormes dúvidas sobre a sua real dimensão,
quando é sabido que as maiores instituições financeiras (as tais que se arrogam
de “too big to fail”) têm mantido a
prática de operações OTC (“over the
counter”, ou seja sem registo em qualquer entidade externa às contrapartes) e
fora do balanço (só são contabilizadas na data de maturidade) que são precisamente as que originam maior alavancagem ao negócio e onde os
níveis de risco não conhecem limites.
Desconhecendo-se
estes valores é possível admitir que o actual problema do Deutsche Bank não
passe duma brincadeira de crianças ou o colapso do Lehman Brothers não tenha
passado duma tempestade de Verão face ao tsunami financeiro que ninguém pode
garantir não venha a ocorrer, enquanto for permitida esta opacidade no mundo
financeiro.
É igualmente
digno de nota que os grandes especialistas teçam comentários sobre o assunto do
tipo dos ouvidos a Vítor Gaspar, director do Departamento de Assuntos
Orçamentais do FMI e ex-ministro das Finanças português, para quem a «Dívida
privada excessiva é um 'actor ruim'» e que embora reconheça que a crise
financeira de 2008 se ficou a dever à tal transformação da dívida tóxica
privada em dívida pública (que continua a ser a solução preconizada pelo FMI) e
refira a necessidade duma “desalavancagem inteligente” da dívida, nada adianta
sobre tal estratégia nem parece preocupado com os tais biliões de dólares por contabilizar.
Bem mais curiosa foi a reacção de Manuela Ferreira Leite (também ela
ex-ministra das Finanças) quando se afirmou "perplexa"com
o estudo 'inconsequente' do FMI, por, espanto dos espantos, assim parecer
que o mundo está para falir...
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