Pese embora
mantenha integralmente, como que escrevi em 2008 no post «O
QUE REPRESENTAM AS ELEIÇÕES AMERICANAS», que o complexo e moroso mecanismo
eleitoral norte-americano mais não visa que assegurar a conformação do
presidente eleito aos interesses das grandes empresas e dos potentados
económicos que finaciam as campanhas eleitorais, a actual conjuntura (regional
e global) justifica que se aprecie esta eleição como indicativo do estado do
país e do Mundo.
Apesar da má
qualidade, a campanha presidencial nos EUA tem a característica de deixar
aflorar alguma liberdade de expressão, relacionada com a fractura da sociedade
(incluindo o próprio establishment)
em dois campos. Ora no caso da actual campanha ultra-polarizada, a separação
habitual entre democratas e republicanos tornou-se um abismo de onde emergem
imagens inesperadas do estado do país.
Assim,
começaram a aparecer de repente artigos alarmistas sobre a economia dos EUA.
Além do destaque político a que assistimos, há também o facto de que, por si
só, a comunicação está a esgotar-se. Tomemos como exemplo os anúncios do Fed,
onde Yellen
consegue cada vez menos orientar os mercados com as suas declarações reconfortantes
(quanto baste...) e os seus próximos aumentos das taxas que nunca mais chegam.
Com a eleição que
se aproxima, torna-se impossível esconder os problemas anteriormente disfarçados
nas boas notícia ou nas notícias estrangeiras – porque a eleição obriga o país
a falar sobre si mesmo e a ver os seus próprios problemas. Estranhamente, é
precisamente neste momento que as
estatísticas de emprego mensal começaram a cair (com Maio a registar o pior
mês, mesmo depois da revisão em forte baixa de Março e Abril, para a criação de
empregos desde 2010), provocando
um pequeno pânico que antecedeu uma reunião do Fed
que planeava aumentar a sua taxa directora e que assim encontrou uma boa
desculpa para nada fazer.
O mundo
financeiro também começa a preocupar-se abertamente... mais de 10 biliões de obrigações
soberanas apresentam agora taxas negativas, o equivalente ao PIB da zona euro
que se transaccionam porque os especuladores antecipam que as taxas continuem a
cair para assim obterem uma mais-valia com a sua venda mais cara (no mercado da
taxa fixa o preço varia em sentido inverso da taxa); outro sinal é dado quando George
Soros aposta na queda iminente dos mercados com a venda das suas acções para
comprar ouro, ou quando a Goldman Sachs
também antecipa
uma forte queda nos mercados nos próximos doze meses e avisa que os
mercados estão prestes a entrar no modo de "desespero", uma
situação que lembra fortemente a de 2007...
Além disso, as
publicações mainstream multiplicam-se
em alertas sobre as semelhanças dos actuais excessos com os de 2007; para a Bloomberg os
mercados de obrigações nunca estiveram tão valorizados e nunca tão pouco ponderados,
enquanto o Market
Watch diz que os
mercados accionistas estão mais sobrevalorizados que em 2000 e 2007; o Telegraph avisa que o
temido choque Brexit torna a cotação da libra esterlina tão volátil como em
2008; nos EUA o
subprime volta ser mencionado, a
propósito do sector automóvel em dificuldade, onde os empréstimos de má
qualidade representam 20% do total e vê a sua taxa de incumprimento
aumentar perigosamente...
Chovem os alertas
sobre o estado da economia, talvez na esperança de evitar a repetição da
tragédia de 2008 – que quase ninguém antecipou –, trazendo os actores
económicos mundiais em seu socorro, mas desta vez os EUA enfrentam actores mais
independentes, decididamente menos preocupados com o destino norte-americano e
em grande parte focados nos seus próprios problemas. A China lança, de forma lenta
mas segura, as bases dum novo mundo; a Rússia segue o seu caminho, sem se
preocupar em agradar ao Ocidente; vendo aumentar as suas falências os
produtores de petróleo norte-americanos parecem ter capitulado à guerra de
preços conduzida pela OPEP.
Em resumo, a
"aterragem forçada" da economia dos EUA, num remake hollywoodiano de
2008, não parece longe, tanto mais que, além do sector financeiro, há quem
anteveja que as
perspectivas para a economia real norte-americana também não são famosas, quem
lembre que o endividamento (público e privado) está
novamente ao nível do registado em 2008, que a taxa de emprego volta a
subir (só 63% da população activa tem trabalho quando em 2000 essa percentagem
era de 67%), que cerca de 45 milhões de pessoas (o valor mais alto de sempre)
continuam abrangidas por um programa de apoio alimentar, que o
sector de petróleo nem mantendo os baixos preços do petróleo pode ajudar a
economia dos EUA, enquanto persiste o empobrecimento das famílias.
Nada disto
constitui novidade, pelo que poderíamos continuar a retratar uma sociedade onde
o desemprego, a pobreza, as falências e os problemas sociais se tornam cada vez
mais relevantes. O pior é que todos estes elementos surgiram de repente nos
meios de comunicação por causa dos interesses que se digladiam em torno das
eleições de Novembro e não como resposta à necessidade de recolocar a economia
e as pessoas numa via de progresso.
De alguma
forma, a onda de más notícias e revelações colectivas sobre o facto de que os
problemas não foram resolvidos nestes últimos 10 anos, estão a levar os
eleitores a um profundo sentimento de desânimo e pode conduzir à tentação de
passar a batata quente a Trump...
Até mesmo o
resto do mundo está relativamente suspenso e incapaz de fazer qualquer coisa, senão
preparar-se para o pior. Enquanto a
Europa está a recuperar qualquer coisa (que mais não seja graças ao facto
da imprensa norte-americana estar concentrada na sua política interna) e começa
a resolver os seus problemas económicos (que não os seus problemas políticos),
o Médio Oriente estará a resolver gradualmente as suas convulsões (como referi
no post «TRÊS
VISÕES PARA UMA REGIÃO»), a China e tomar paulatinamente o seu lugar na
liderança global, todos continuamos suspensos da escolha dos eleitores norte-americanos
e, como sabemos, a incerteza é grande. Combatendo essa incerteza e a sua
dependência, como referem notícias da Bloomberg
e do Telegraph
que vão fazendo eco das vozes que denunciam as políticas japonesa e europeia de
promoção dum dólar forte como contrárias aos interesses europeus e nipónicos, já
vão surgindo chamadas de atenção para a necessidade de redefinição das
políticas regionais, a ponto de até já o presidente da CE, Jean-Claude Juncker,
ter feito referência à necessidade
da UE rever a relação prática com a Rússia e não permitir aos EUA que ditem
essa política.
Assim o
crescente distanciamento entre os EUA e o resto do mundo, quer ao nível
económico como político, deverá minimizar os efeitos da onda de choque da
próxima crise, mas até lá muito continuará ainda dependente do eixo financeiro
New York-Londres e duma UE que tarda em assumir uma postura esclarecida.
É esperar e
ver...
Sem comentários:
Enviar um comentário