Pela
importância do tema e pelo silêncio a que a comunicação social o tem votado,
aqui deixo na íntegra a tradução que efectuei dum documento produzido por um think tank europeu ( o LEAP - Laboratoire Européen d’Anticipation
Politique) que se tem distinguido pela qualidade do seu trabalho de análise
política.
Bloquear
o "golpe de estado" britânico com um golpe democrático europeu
Rumo à
primeira eleição verdadeiramente transeuropeia
Caros líderes
europeus,
Todos nós
entendemos: o Brexit não vai levar a uma saída da UE. Em contrapartida, provoca
uma paralisia no sistema decisório europeu e serve uma estratégia de controlo
político da UE que não tendo nada de democrático, tem tudo dum "golpe de estado".
O facto é que perante
a crise cataclísmica que atinge o mundo e a UE há quase 10 anos, a má
governação que oferece a estrutura tecnocrática europeia, não é suficiente.
Mas o modelo
de governação europeia para que nos envia o "Brexit" é a Europa nacional-europeísta,
cuja criação Franck Biancheri anunciou [1] caso a UE não conseguisse ancorar o seu
sistema de tomada de decisões numa legitimidade democrática transeuropeia, a
Europa dos netos "de Hitler, Pétain, Mussolini, Franco", no seu
famoso artigo visionário 1998 [2].
Depois de ser
intransigente com as esquerdas euro-reformistas, incarnadas pela Grécia de
Tsipras em 2015, a administração da UE poderá em breve ser obrigado a
submeter-se a vontade política dos governos nacionalistas europeus coligados em
2017.
Não será a
morte confirmada da UE, mas a dos seus valores, princípios e objetivos
fundadores, que nos levaram a aceitar a integração europeia há 60 anos: paz,
independência, democracia e prosperidade comuns.
Caros líderes
europeus,
A
democratização do projecto europeu é portanto um objectivo de importância
primordial na actualidade: trata-se de libertar os cidadãos das suas prisões
nacionais, para finalmente abrir os horizontes Europeus às suas aspirações
políticas, para criar as condições do "golpe democrático europeu" .
Mudar
de estado de espírito
. Para isso,
basta reconhecer que a UE é uma construção política. Desde que a união política
seja reconhecida, a sua democratização não só é pensável, mas imperiosa.
. É preciso admitir
que as eleições legislativas europeias não são um verdadeiro momento de
validação democrática das orientações políticas do nosso continente: deste
conglomerado de eleições nacionais, nunca resultou um debate europeu.
Reconhecendo isso, a UE está autorizada a inventar algo mais convincente em
termos de democracia europeia.
. Quanto aos
referendos, temos de deixar de perguntar aos cidadãos se eles são a favor ou
contra a Europa! A construção europeia está em andamento há 60 anos. Não se
pergunta a um peixe, se ele é a favor ou contra a água sem o conduzir à loucura
e ao suicídio!
Dar
oxigénio para debates políticos europeus no continente
Em vez disso,
é altura de perguntar aos europeus o que gostariam que a Europa fizesse por
eles:
. Como é que a
Europa poderia facilitar um regresso à paz social nos vários países da UE?
. Como é que a
Europa poderia ajudar a reconstruir a capacidade de financiamento de
infra-estruturas, hospitais, escolas..., que foram o orgulho do nosso
continente?
. Como é que a
Europa poderia relançar a economia de uma forma que beneficie todos os
europeus?
. Como é que a
Europa pode acelerar a transição energética e inventar novos modelos económicos
sustentáveis?
. Como é que a
Europa poderia definir de uma vez por todas as suas fronteiras e torná-las
protectoras sem ficar preso na sua fortaleza?
. Como é que a
Europa poderia normalizar as relações com seus grandes vizinhos Rússia, Turquia e
Estados Unidos ... sem se submeter a qualquer um deles?
. Como é que a
Europa poderia contribuir positivamente para a diminuição das enormes tensões
geopolíticas globais?
...
Colocar
as questões europeias aos cidadãos europeus
Como em
qualquer democracia, as condições devem ser reunidas para a expressão de diferentes
pontos de vista e para que os cidadãos possam escolher entre eles.
A democracia
não é um idioma sim-não. Ao reconhecer isso, poderão implantar-se as condições para
um debate construtivo e realmente enriquecedor, um debate que engrandeça os
cidadãos ... e os seus representantes, e inverta a tendência actual.
O "Golpe
democrático europeu", é "simplesmente" uma eleição europeia, uma
verdadeira, onde se confrontem visões da Europa - em vez das agendas dos
partidos nacionais dos Estados constituintes -, uma eleição que atraia os
cidadãos de diferentes países para um debate e uma nomeação conjunta (círculo
eleitoral único, listas e programas transeuropeus representados por equipas
multinacionais, campanha conjunta e igual peso do voto).
Varrer
as acusações: "Parece tão impossível que nunca foi feito" [3]
Se vocês
quiserem, vocês podem.
Os
28 não serão capazes de chegar a acordo sobre um projecto como este? Basta
alguns países centrais concordarem com a sua participação para gerar uma
dinâmica de saudável debate transeuropeu. Outros vão aderir à iniciativa.
Afinal de contas, a UE é uma área de cooperação reforçada... por que não na
democratização?
Os
Tratados impedem-no? É que os Tratados são Traidores
e devem ser contornados; de qualquer forma os nacional-europeístas irão
fazê-lo em breve. E ninguém vai lamentar a "traitocracia" mortal que
foi criada para suprir a falta de governação política dinâmica da UE.
Não
há partidos políticos prontos para competir numa eleição transeuropeia?
A única maneira de fazer emergir os movimentos transeuropeus que o continente
necessita para a sua democratização, é lançar uma eleição transeuropeia. As
três décadas de gerações Erasmus estão prontas para o organizar.
Vocês
não confiam nos cidadãos europeus porque podem votar "errado"?
Não são os cidadãos que votam errado, as questões é que estão erradas. É o
momento de fazer perguntas-europeias abertas aos europeus e não perguntas-europeias
fechadas aos franceses, alemães, italianos ... Isso vai fazer toda a diferença.
Não
há nada a ser eleito na UE? Por que não fazer-nos votar para
um executivo da Eurolândia [4]? Somos 300 milhões a estar indissoluvelmente
(desta vez foi a Grécia que o provou) vinculados à moeda única, esse
"soberano" comum. Haverá melhor plataforma de lançamento para uma
união política e democrática do nosso continente?
Vocês
estarão nos livros de história... mas por que porta querem entrar?
Forças
adversas estão a tentar tomar o controle do continente. É neste perigo mortal
que vocês devem encontrar a força e a vontade de inaugurar a fase final de
integração europeia, a democratização, que devem entregar nas mãos dos seus
beneficiários finais - cidadãos europeus - a máquina tecnocrática de que estão
actualmente a tentar aproveitar os governos nacionais europeus.
Dêem-nos a
eleição de que precisamos para darmos o melhor de nós próprios! E sejam os
primeiros a assumir o desafio da invenção da democracia transnacional que o
mundo precisa para não continuar a cair no pesadelo.
Respeitosamente,
Colectivo Rede
Franck Biancheri: Marie-Hélène Caillol, Presidente da Associação de Amigos de
Franck Biancheri e Presidente do Laboratório Europeu de Antecipação Política LEAP,
Marianne Ranke-Cormier, vice-presidente AAFB, Christel Hahn, Presidente IRPA,
Geta Grama-Moldovan, Diretora Executiva GEAB pelo LEAP, Veronique Swinkels,
Directora Euro-BRICS pelo LEAP, Marie-Pierre Pagès, CEO Anticipolis, José-Maria
Compagni Morales, Diretor LEAP Academy
[1] Franck Biancheri lutou desde
os tempos de estudante até à sua morte, 30 anos depois em 2012, pela democratização Europeia, profetizando incansavelmente
o fracasso do projecto de paz e de prosperidade comum posto em prática após a
2ª Guerra Mundial, se a UE não se conseguisse democratizar. Confrontados com a óbvia
justeza da sua análise, os seus amigos e companheiros reuniram-se na Rede Franck Biancheri para, na
medida do possível, continuarem o seu trabalho. Esta carta, escrita pelo seu
colectivo, faz parte desta linhagem orgulhosa de pensamento e acção.
[2] Fonte: «Quand les petits-fils
d’Hitler, Pétain, Franco et Mussolini prendront le pouvoir dans l’UE»,
Novembro de 1998, 2020
[3] Nelson Mandela
[4] Franck Biancheri, Europe 2020 e LEAP trabalham há quase 20 anos sobre a
ideia de que a democratização da UE passará pela Eurolandândia. Fonte: «En
route vers un nouveau cadre opérationnel et “souverain” pour l’Europe: Euroland», LEAP, 2014/12/02
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