Os meios de
comunicação formal e informal estão inundados de notícias e comentários sobre a
situação contributiva dum cidadão nacional. Fosse este um caso normal e vivendo
nós num estado dirigido pelos mais impolutos e zelosos curadores e, ao abrigo
das regras em vigor, há muito aquele cidadão teria visto o vencimento ou a
habitação penhorados.
Sucede, porém,
que o pobre incumpridor é, nem mais nem menos, que o chefe de fila dos questores
(cobradores dos impostos imperiais) que nos calharam em sorte e um dos mais
férreos defensores do “pagaremos doa o que doer”, pelo que, zeloso, logo
procedeu à liquidação da dívida tão presto soube que a imprensa se aprontava a
denunciar o caso.
Todos temos
acompanhado o rol de justificações, meias-verdades, ou paráfrases sobre o caso;
todas desmentidas ou corrigidas de seguida, adaptadas às circunstâncias ou mais
prosaicamente remetidas para o limbo duma memória que se espera (e deseja…)
curta, ou não grassasse no País e na elite política que o tem dirigido uma
inquietante falta de valores.Conforme os interlocutores e os
espectadores se perfilem do lado dos questores ou dos críticos, assim se
sucedem as justificações ou as condenações, a maioria das quais já atiradas
para o esquecimento. É claro que as primeiras que se fizeram ouvir foram as dos
zelosos defensores que de pronto saíram a terreiro em defesa do probo
primeiro-ministro, dizendo que a dívida já estava saldada, que era questão do
foro pessoal e de pequena monta, etc., etc., etc…, e culminando com Luís
Montenegro, o líder parlamentar do PSD, a assegurar que
«Passos é o "mais bem preparado" para primeiro-ministro».
Muita
gente concordará com aquele argumentário; achará a questão despropositada e
mais adequada à chicana política que à ponderada gestão da coisa pública (como
o fez Cavaco Silva) e a crer, até António «Costa
considera estar “tudo esclarecido” sobre contribuições de Passos».
É claro que
face à enormidade dos problemas que assolam o País, esta é uma questão de
pormenor, mas são os pormenores que revelam a verdadeira essência e a
verdadeira natureza dos Homens. Assim, neste recôndito canto onde os princípios
éticos continuam sem encontrar esteio, ninguém esperaria (em seu perfeito
juízo) que do incidente resultasse a demissão do faltoso ou sequer um mero e
hipócrita pedido de desculpas.
Numa república
presidida por um aposentado que em tempos afirmou, com prosápia e mal contida
soberba, que “nunca se engana e raramente tem dúvidas”, seria impensável
assistirmos à demissão dum governante por coisa tão mesquinha; noutro país dessa
Europa a que dizem pertencermos, o «Ministro da Justiça da Holanda demite-se por mentir ao Parlamento»,
mas entre nós o nível é outro: tão reles e baixo que os intervenientes se
julgam acima que qualquer reparo ou dúvida.
O sentimento
que campeia entre a elite política nacional é aquele que o ministro da
Segurança Social (o que tutela o organismo que Passos Coelho fraudou
impunemente) se apressou a transmitir quando nas primeiras reacções à notícia
veio a terreiro afirmar que Passos
foi "vítima de erros" da administração, crucificando
os funcionários que dirige e deveria prestigiar… se também ele tivesse outros
valores além dos da sobrevivência a qualquer custo!
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