quinta-feira, 5 de março de 2015

LEALDADES

Há muito tempo que em política o “vale tudo” passou a ser moeda corrente. Desde o longínquo século XVI, quando Nicolau Maquiavel deu ao prelo o seu “O Príncipe”, obra que muitos referem como exemplo do pragmatismo político, que se começou a insinuar a ideia que em política os fins justificam os meios.

Temo-lo confirmado em múltiplas ocasiões, mas talvez nunca de forma tão desbragada como na actualidade. Já não é apenas a “conspiração” ou a mera “maquinação” com vista à obtenção de ganhos políticos imediatos, mas também o recurso ao argumento que atribui uma conotação conspirativa a qualquer crítica. Exemplos disto pululam no nosso dia-a-dia, vão desde as mais espúrias desculpas para infracções e outras malfeitorias (sempre praticadas no mais completo desconhecimento das regras ou total ausência de consciência da infracção) ou à completa contradição entre o que se afirma no estrangeiro ou dentro de fronteiras, até à mais clara e despudorada mentira.

Serve este intróito a propósito do mais recente facto político norte-americano: o discurso no Congresso norte-americano dum chefe de governo estrangeiro, na situação de demissionário e candidato à reeleição, a convite do líder da maioria para criticar a política oficial de Washington sobre a questão do programa nuclear iraniano, o que pode traduz um minar das relações entre americanos e israelitas.


A questão do programa nuclear iraniano constitui há muito fonte de preocupação para muitos governos e a posição israelita de total desacordo com aquele tipo de programa é sobejamente conhecida quando ainda perduram na memória as ameaças militares sobre as centrais iranianas, quando Netanyahu anunciou «Israel preparado para "agir sozinho" contra o Irão», posição especialmente interessante quando vem dum país que sempre negou a sua condição de potência nuclear e que, com o beneplácito norte-americano, sempre recusou submeter o seu programa nuclear a qualquer controlo pela AIEA (a agência internacional que regula e controla o uso da energia nuclear).

A oposição israelita a qualquer acordo com o Irão é conhecida há muito tempo, pelo que  a presença em Washington de Benjamin Netanyahu, em pleno período de campanha eleitoral israelita, apenas se poderia saldar por um discurso crítico contra as negociações nucleares com o Irão e onde «Netanyahu diz que acordo “abre caminho” a bomba nuclear iraniana».

Esta manobra do partido republicano (força política que detém a maioria nas duas câmaras do Congresso mas não na Casa Branca) para torpedear a iniciativa do executivo de Obama com vista a alguma forma de acordo com o Irão, já mereceu deste o comentário de que discurso de Netanyahu "Não ofereceu alternativas viáveis", posição que não agrava mas também não desanuvia a ideia que o «Discurso de Netanyahu no Congresso tem efeito “destrutivo” nas relações com os EUA».

Três factos parecem ter contribuído para chegarmos a esta situação. Primeiro, é a comprovação de estarem os «Aliados históricos em desacordo sobre programa nuclear iraniano»; Segundo, é a confirmação da crescente necessidade de mediatismo que Benjamin Netanyahu tem revelado nos últimos tempos (basta recordar a forma com este impôs a sua presença em Paris depois que a «França pediu a Netanyahu para não participar na marcha contra o terrorismo») e que não prenuncia nada de bom para o futuro do Médio Oriente, pois a sua presença em Washington parece-se muito mais com uma acção de propaganda interna (sinal da sua fragilidade política) que com uma ponderada iniciativa para fazer valer o ponto de vista israelita sobre a questão do programa nuclear iraniano, o que pressagia uma ainda maior aproximação com os grupos judaicos mais radicais, inevitavelmente acompanhada dum aumento da tensão com os palestinianos e com os vizinhos árabes. Igualmente relevante e não menos grave, é a conduta do Partido Republicano que no afã de apoucar o presidente Obama não revela o mínimo sentido político e expõe, por conveniência meramente táctica, as relações israelo-americanas a um desgaste evitável quando estas atravessam uma fase de grande fragilidade.

Sem comentários: