Há muito tempo
que em política o “vale tudo” passou a ser moeda corrente. Desde o longínquo
século XVI, quando Nicolau Maquiavel deu ao prelo o seu “O Príncipe”, obra que
muitos referem como exemplo do pragmatismo político, que se começou a insinuar
a ideia que em política os fins justificam os meios.
Temo-lo
confirmado em múltiplas ocasiões, mas talvez nunca de forma tão desbragada como
na actualidade. Já não é apenas a “conspiração” ou a mera “maquinação” com
vista à obtenção de ganhos políticos imediatos, mas também o recurso ao
argumento que atribui uma conotação conspirativa a qualquer crítica. Exemplos
disto pululam no nosso dia-a-dia, vão desde as mais espúrias desculpas para
infracções e outras malfeitorias (sempre praticadas no mais completo
desconhecimento das regras ou total ausência de consciência da infracção) ou à
completa contradição entre o que se afirma no estrangeiro ou dentro de
fronteiras, até à mais clara e despudorada mentira.
Serve este
intróito a propósito do mais recente facto político norte-americano: o discurso
no Congresso norte-americano dum chefe de governo estrangeiro, na situação de
demissionário e candidato à reeleição, a convite do líder da maioria para
criticar a política oficial de Washington sobre a questão do programa nuclear
iraniano, o que pode traduz um minar
das relações entre americanos e israelitas.
A questão do
programa nuclear iraniano constitui há muito fonte de preocupação para muitos
governos e a posição israelita de total desacordo com aquele tipo de programa é
sobejamente conhecida quando ainda perduram na memória as ameaças militares
sobre as centrais iranianas, quando Netanyahu anunciou «Israel
preparado para "agir sozinho" contra o Irão»,
posição especialmente interessante quando vem dum país que sempre negou a sua
condição de potência nuclear e que, com o beneplácito norte-americano, sempre
recusou submeter o seu programa nuclear a qualquer controlo pela AIEA (a
agência internacional que regula e controla o uso da energia nuclear).
A oposição
israelita a qualquer acordo com o Irão é conhecida há muito tempo, pelo que a presença em Washington de Benjamin
Netanyahu, em pleno período de campanha eleitoral israelita, apenas se poderia
saldar por um discurso crítico contra as negociações nucleares com o Irão e
onde «Netanyahu diz que acordo “abre caminho” a bomba
nuclear iraniana».
Esta manobra
do partido republicano (força política que detém a maioria nas duas câmaras do Congresso
mas não na Casa Branca) para torpedear a iniciativa do executivo de Obama com
vista a alguma forma de acordo com o Irão, já mereceu deste o comentário de que
discurso de Netanyahu "Não ofereceu alternativas viáveis", posição que não agrava mas também não desanuvia a
ideia que o «Discurso
de Netanyahu no Congresso tem efeito “destrutivo” nas relações com os EUA».
Três factos
parecem ter contribuído para chegarmos a esta situação. Primeiro, é a
comprovação de estarem os «Aliados
históricos em desacordo sobre programa nuclear iraniano»; Segundo,
é a confirmação da crescente necessidade de mediatismo que Benjamin Netanyahu
tem revelado nos últimos tempos (basta recordar a forma com este impôs a sua
presença em Paris depois que a «França
pediu a Netanyahu para não participar na marcha contra o terrorismo») e que
não prenuncia nada de bom para o futuro do Médio Oriente, pois a sua presença
em Washington parece-se muito mais com uma acção de propaganda interna (sinal
da sua fragilidade política) que com uma ponderada iniciativa para fazer valer
o ponto de vista israelita sobre a questão do programa nuclear iraniano, o que
pressagia uma ainda maior aproximação com os grupos judaicos mais radicais,
inevitavelmente acompanhada dum aumento da tensão com os palestinianos e com os
vizinhos árabes. Igualmente relevante e não menos grave, é a conduta do Partido
Republicano que no afã de apoucar o presidente Obama não revela o mínimo
sentido político e expõe, por conveniência meramente táctica, as relações
israelo-americanas a um desgaste evitável quando estas atravessam uma fase de
grande fragilidade.
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