segunda-feira, 23 de março de 2015

BURRAS CHEIAS

De há muito tempo que o discurso político nacional se tornou redundante, algo que não raramente é pior que ser redutor; a redundância é evidente e bacocamente repetida pelos actores políticos que diariamente proliferam nas notícias, até por aqueles que, de quando em vez, se esforçam por parecer diferentes.

Talvez no caso destes até acabe por ser mais grave, pois além de não o conseguirem transmitem afinal uma imagem de mais pobre e triste atavismo.

Vem isto a propósito da mais recente “boutade” da Srª Swapp que a par com o convite aos mais jovens para que se multipliquem, não se esqueceu de afirmar que o «País tem "cofres cheios"»…

É claro que a “senhora ministra” estava a falar para jovens correlegionários (daqueles que aspiram a enxamear os “corredores do poder” e cujo principal contributo será sempre o do inefável apoio e concordância com o “chefe” do momento) a quem importa confortar e proporcionar uma visão com futuro (que mais não seja para compor as plateias), num país a quem o mesmo futuro tem sido aviltantemente negado, o que é já um claro sintoma de atavismo.

Em si mesmo o atavismo não se traduz numa qualidade simplesmente boa ou má, mas nas “mãos” desta gentinha consegue ganhar foros e contornos inauditos. O descabido da intervenção foi tal que até os mais indefectíveis comentadores criticaram a oradora; Marques Mendes disse que «“Maria Luís Albuquerque esteve mal”» e o putativo candidato presidencial, Marcelo Rebelo de Sousa, que a «Ministra das Finanças “falou um bocadinho de mais”».

Por outro lado, se o apelo à multiplicação dos “jotinhas” até é entendível (afinal a oradora falava na sessão de encerramento dumas jornadas da JSD, oportunamente intituladas “Portugal nas tuas mãos”, ciente da importância de ver reproduzidos os modelos e neste capítulo o essencial é multiplicar os seguidores), já a referência aos cofres apresenta uma inegável referência bulionista[i] e uma tristíssima consonância salazarenta, que não pareceu afectar muita gente, nem sequer por revelar uma completa sobranceria a respeito dum dos grandes debates que há anos divide a comunidade académica e que se traduz na questão de saber se «“O PIB mede tudo, menos o que faz a vida valer a pena”».

Salvo as tradicionais reacções políticas e os chistes e as caricaturas (de sucesso garantido entre nós)...


…poucos foram os comentários que apontassem o ridículo das afirmações e, ainda pior, o falacioso. É que, como bem pudemos comprovar durante a vigência do Estado Novo, existe um fosso enorme entre as finanças públicas e as das famílias e quando as primeiras se vangloriam das suas burras[ii] cheias fazem-no seguramente a expensas dos rendimentos e do bem-estar das segundas.



[i] Recorde-se que o bulionismo, modelo de mercantilismo que preconizava a acumulação de metais preciosos em detrimento do investimento, foi a forma mais primitiva de mercantilismo que conheceu ainda as variantes comercial (usada pela Inglaterra) e a francesa (também conhecida como colbertismo, do ministro francês Jean-Baptiste Colbert) que assentava na produção manufactureira.
[ii] Burra foi um forma antiga de designar baú ou arca usada para guardar valores, que por extensão originou a forma popular de designar o acto de enriquecer como “encher as burras”.

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