quarta-feira, 16 de abril de 2008

IL CAVALIERE A TORNATO[1]

Embora as sondagens já tivessem indicado uma vitória de Silvio Berlusconi, nem por isso o resultado das eleições legislativas em Itália – uma maioria nas duas câmaras para o bloco de direita – deixa de constituir alguma surpresa, acompanhada ainda de uma nítida tendência para uma bipolarização no cenário político italiano.

Após a demissão do governo de centro-esquerda liderado por Romano Prodi, a quem não se poderá negar a iniciativa de algumas reformas mas que não resistiu ao abandono da coligação de um dos pequenos partidos que a compunham, o eleitorado parece cada vez menos disposto a aceitar este tipo de riscos e quase todos os pequenos agrupamentos se viram excluídos da nova assembleia.

Aparte este fenómeno verdadeiramente novo num cenário político onde a fragmentação partidária tem sido regra dominante desde o final da II Guerra Mundial, pode-se dizer que estas eleições representaram apenas mais do mesmo...

Pela terceira vez nos últimos quinze anos, eis que o magnata da comunicação social em Itália volta a assumir a liderança de um governo. Nem mesmo as recorrentes acusações de corrupção nem as condenações judiciais em primeira instância, nunca ratificadas após apelo, parecem ter influenciado uma votação que deu a Berlusconi e aos seus aliados da Liga do Norte uma confortável percentagem de 48% dos votos.

Talvez completamente esquecido do malogro que constituiu o último governo liderado por Berlusconi, que deixou a economia italiana numa situação lastimável, o eleitorado italiano voltou a confiar neste empresário de 71 anos a condução dos destinos de um país que continua a debater-se com os crónicos problemas da corrupção, com uma economia cada vez mais débil, uma dívida externa em crescimento e em nítida perda de influência no conjunto da UE.

Fortalecido pelo controlo que exerce sobre a comunicação social (Berlusconi é o patrão da MEDIASET, o maior grupo de comunicação social em Itália e do clube de futebol AC Milan) e com o apoio dos nacionalistas da Liga do Norte, o futuro governo italiano poderá contar com algumas facilidades de governação que, há semelhança do ocorrido nas anteriores legislaturas, o seu desmesurado culto da personalidade, a falta de capacidade de diálogo e o polémico sentido de humor se encarregarão de desbaratar.

Se atentarmos nos grandes temas de debate durante a campanha – o problema dos lixos de Nápoles e a situação financeira da ALITALIA, a companhia aérea italiana, – fácil se torna concluir que embora aparentemente divididos entre esquerda e direita as duas grandes concorrentes não debateram princípios políticos mas meras soluções pontuais. Num total vazio de ideias terá vencido o candidato que melhor apelou ao “coração” dos eleitores (ou que mais influência tem nos canais televisivos), o que mais promessas fez (mesmo que ignore completamente como as deveria cumprir se nisso pensasse)...

Como hoje referiu Baptista-Bastos na sua habitual coluna no DIÁRIO DE NOTÍCIAS, o «...caso italiano reflecte a crise ideológica na Europa, tanto à esquerda como à direita. Ambas demonstram ser incapazes de elaborar uma política de civilização, que se oponha a este tipo de aventureirismo e aos perigos daí decorrentes» que além de resumir muito do que vemos em nosso redor nem sequer constitui leitura única e radical, pois o insuspeito LE MONDE, em editorial, escreveu: «O Sr. Berlusconi aproveitou uma vez mais o sentimento de rejeição da política, algo que não é uma especialidade italiana mas que na península italiana a ascensão de um populismo de quer de direita quer de esquerda».

Para quem ainda alimente algumas, poucas, esperanças nos resultados que possam advir desta terceira passagem de Berlusconi pelo governo, sempre recordo que este apenas sobreviverá com o apoio da Liga do Norte e que este grupo nacionalista e xenófobo seguramente se fará pagar bem caro para manter o seu apoio.

E se este é o preocupante cenário a nível interno, que dizer do futuro papel de uma Itália dirigida por Il Cavaliere no processo de dinamização da UE? Quem já esqueceu a rocambolesca tentativa de nomeação de Rocco Buttiglione[2] para comissário europeu?
_____________
[1] Literalmente O CAVALEIRO VOLTOU, título em alusão à designação “Il Cavaliere”, pela qual Silvio Berlusconi é há muitos anos conhecido no mundo dos negócios.
[2] Para quem queira recordar a polémica ou ler um pouco mais sobre Buttiglione pode encontrar aqui o perfil que a BBC em tempos publicou.

Sem comentários: