quarta-feira, 23 de abril de 2008

PIRATAS A BORDO

A multiplicação das notícias que referem a ocorrência de actos de pirataria em águas da zona do Corno de África, trouxe-me à memória a antevisão que Jacques Attali publicou em 2006.

Na obra que intitulou «BREVE HISTÓRIA DO FUTURO» aquele antigo guru de François Mitterrand e hoje conselheiro de Nicolas Sarkozy, insere numa das formas que antevê – o hiperconflito – o ressurgimento do fenómeno da pirataria no qual engloba muitas das actuais práticas criminosas (tráfico de droga, mulheres, armas e jogos) situadas num plano superior ao actualmente conhecido perpetradas pelo que designa como Estados-piratas ou não-Estados.

Refiro aqui esta antevisão de Attali mais pelo avolumar das notícias que por uma crescente semelhança com o modelo antevisto que o autor faz preceder de uma outra fase – o hiperimpério – que esse sim, se poderá assemelhar ao período que estamos a iniciar.

Inegável é que nas últimas semanas se registaram quatro ataques a embarcações que navegavam próximo das costas da Somália e que este constitui sem qualquer sombra de dúvida um não-Estado (para usar a definição de Attali) ou um Estado falhado, como é comummente designado entre a comunidade ocidental.

Além do caso que envolveu o sequestro da tripulação do veleiro francês «Ponant», resolvida com uma acção militar francesa da qual resultou a captura de alguns dos piratas, ocorreram mais três casos nos dois últimos dias. O que envolve o pesqueiro espanhol «Playa de Bakio» sequestrado quando pescava em águas somalis e dois petroleiros, que não tendo sido apresados sofreram estragos consideráveis.

A zona onde ocorreram estes casos, as águas próximas do Corno de África, é considerada como uma das mais perigosas na actualidade; só na Somália, onde o problema se agrava pela debilidade do Estado e das forças de segurança locais, em 2007 foram sequestrados 11 navios, com 154 reféns.

No ano passado, os actos de pirataria aumentaram 10% no mundo depois de três anos de queda regular. No total, registaram-se 263 incidentes, mas especialistas admitem que o número possa ser bem maior, já que muitos donos de pequenos barcos não formalizam as queixas. A par com o aumento do número os assaltos estão a tornar-se mais violentos, principalmente na costa africana, onde os piratas descobriram o filão do sequestro; nos últimos 10 anos, 3.200 pessoas foram feitas reféns em 10 regiões críticas pela intensa acção desses grupos, responsáveis pela morte de 150 pessoas e de 500 feridos.

Além do recente e já referido caso do sequestro do veleiro francês «Ponant», outro caso muito mediático correu há cerca de três anos com o cruzeiro de luxo americano «Seaborn Spirit» cujos 150 passageiros escaparam ao assalto graças à intervenção dos seguranças do navio que conseguiram evitar o pior.

Ainda não existem notícias da reacção espanhola, mas o governo francês reagiu prontamente mediante a implementação de estratégia em duas frentes: negociou a libertação dos reféns com os piratas e enviou uma força especial para acompanhar os acontecimentos, força esta que conseguiu inclusive capturar 6 dos 12 piratas referenciados.

Simultaneamente com a notícia da captura o governo francês tornou pública a intenção de julgar os piratas no seu território e de envidar esforços para fomentar o debate deste problema no Conselho de Segurança da ONU que a avaliar pelas estatísticas e pelo mapa junto não se resume àquela região africana mas que se estende a algumas das principais rotas comerciais de três continentes, como o Estreito de Malaca (entre a Indonésia, Malásia e Singapura), a costa sul da China e do Bangladesh, no Sudeste Asiático, na Somália e na Nigéria (costa africana), onde os principais alvos são os petroleiros.

A dimensão do fenómeno e o crescimento que se tem registado nas trocas comerciais mundiais, a maior parte das quais ainda se processa por via marítima[1], implica a necessidade dos Estados enfrentarem mais este problema, para cujo crescimento não poderá deixar de contribuir o crescente fosso entre países ricos e países pobres, bem como o sentimento de exclusão que as populações dos países pobres vão reconhecendo cada vez mais.
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[1] Estimativas apontam o facto de cerca de 80% do comércio mundial ser objecto de transporte marítimo e os prejuízos resultantes da pirataria ultrapassarem a dezena de milhar de milhão de dólares.

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