terça-feira, 15 de abril de 2008

DITADORES, PROTODITADORES E POLÍTICOS DE PACOTILHA

Enquanto no Quénia se prepara o início de um novo período político, que se espera de estabilidade, após o acordo estabelecido entre Mwai Kibaki e Raila Odinga e no Zimbabwe se aguarda pela substituição pacífica de Robert Mugabe, assistimos na Europa à recente eleição de Silvio Berlusconi (a terceira) para a liderança do governo italiano e em Portugal ao contínuo desenrolar de “casos” políticos, como o do rocambolesco episódio da não realização da tradicional sessão solene no Parlamento madeirense para recepção ao Presidente da República.

Por outras palavras, quando em regiões onde as tradições democráticas são incipientes (casos do Quénia e do Zimbabwe) ou onde é reconhecida a volatilidade dos seus governos (nos 63 anos vividos após a II Guerra Mundial a Itália já conheceu 62 governos) são esses os factos centrais no debate político, entre nós insiste-se na estratégia de criar “factos” políticos para alimentar o debate. Como se não bastassem, nem merecessem atenção, os muitos problemas económicos e sociais que continuam por resolver, a classe política nacional continua a alimentar um grupo de figuras (se calhar era mais correcto chamar-lhes figurões) cujo único objectivo parece ser o da criação dos tais “factos”.

E não se creia que estas personagens são figuras de segundo plano que de quando em vez se alcandoram para lançar as suas atoardas, nem meras personagens de fugaz aparição. Infelizmente encontramo-los entre as principais figuras da trama política nacional, indo desde líderes partidários até chefes de governos regionais.

Neste capítulo os últimos dias voltaram a ser profícuos em notícias; desde as infelizes declarações do líder do principal partido da oposição, a propósito de um alegado favorecimento a uma jornalista à qual atribui uma ligação estreita com o actual primeiro-ministro[1], até à inqualificável decisão, anunciada pelo inefável Chefe do Governo Regional, de não assinalar a visita do Presidente da República à Região da Madeira com a tradicional sessão solene no Parlamento Regional.

Vindo de quem veio a notícia e a decisão – para que a ninguém restassem dúvidas de quem manda na Madeira nem sequer foi o Presidente da Assembleia Regional a assumir o que passa por ter sido uma decisão da sua responsabilidade – não estranho o conteúdo nem a prosápia; o que verdadeiramente estranho é a reacção do Presidente da República que, mesmo profundamente imbuído do pesado fardo do seu cargo, não deveria deixar passar em claro mais um insulto de Alberto João.

Mas, o que poderemos honestamente esperar de quem, durante a campanha eleitoral que o conduziu ao cargo que ocupa, se passeou pela Madeira fazendo campanha de braço dado com o mesmo Alberto João que tempos antes, no aceso da polémica em torno da demissão do governo de Santana Lopes e da alegada responsabilidade de Cavaco Silva naquela decisão[2], Alberto João propôs que o partido a que todos eles pertencem – o PSD – expulsasse o «Sr. Silva».

Enquanto os políticos nacionais não souberem, ou quiserem, assumir posições de frontalidade que deles afastem a suspeição de que tudo aceitarão para garantirem futuros benefícios pessoais (sejam eles de natureza política ou outra), dificilmente a política nacional deixará de ser um desfiar de “factos” inventados, empolados ou manifestamente acessórios ao real cerne dos problemas nacionais e aos anseios das populações.
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[1] Esta questão foi apreciada por alguns dos habituais comentadores dos factos políticos nacionais, dos quais deixo os seguintes:
·
Carla Machado, no PUBLICO;
·
João Miguel Tavares, no DIÁRIO DE NOTÍCIAS;
e pela própria Fernanda Câncio, num artigo do DIÁRIO DE NOTÍCIAS: «
A QUALIDADE DESTA DEMOCRACIA»
[2] Na época terá tido grande impacto um artigo publicado por Cavaco Silva onde, numa alusão à actuação do governo de Santana Lopes, usou a figura de estilo cara aos economistas da «boa moeda» versus «má moeda».

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