Localizada próximo de Ramallah (12 km) e a escassos 4 km da linha de separação entre Israel e a Cisjordânia ou Margem Ocidental, passou para o controle israelita em 1967, após a Guerra dos Seis Dias. Regressou ao controlo palestiniano em 1995 após os Acordos de Oslo[1], mas confronta-se desde 2005 com a divisão originada pelo muro de separação unilateralmente erguido por Israel.
A sua população, maioritariamente composta por agricultores, vê-se desde a construção do muro privada do acesso aos terrenos agrícolas de que depende (conforme se comprova pela imagem a área anexada representa cerca de 60% do espaço de jurisdição de Bil’in), pelo que desde a primeira hora os seus habitantes se têm manifestado contra mais esta arbitrariedade israelita.
De forma mais ou menos pacífica a população tem organizado manifestações junto ao estaleiro de construção a que o exército israelita habitualmente responde com balas de borracha, gases lacrimogéneos e sucessivas prisões dos seus líderes mais destacados. Com a convicção reforçada pelo direito internacional (o Tribunal Internacional de Justiça já condenou a construção do muro) e o apoio de algumas organizações judaicas, como a B’tselem, a Gush Shalom, a Anarchists Against the Wall e internacionais, como o International Solidarity Movement, Ahmed Issa Abdullah Yassin, o líder da comunidade deu início a um processo legal para obter a suspensão da construção.
Foi precisamente agora conhecida a decisão do Supremo Tribunal de Israel que, não reconhecendo como provadas as alegadas necessidades securitárias e de ordem militar, apresentadas pelo governo israelita, considerou a construção do muro como altamente prejudicial para os aldeãos de Bil’in e ordenou o redesenho do seu percurso.
Esta vitória foi celebrada pela comunidade palestiniana, mas nada pode ser dado como menos adquirido. Além de existirem muitos outros locais onde a construção do muro de separação mais não constitui que uma nova ofensiva judaica para a apropriação ilegal de terras, nada garante que o redesenho do muro em Bil’in venha a respeitar os direitos das populações locais.
Contrariando as leis internacionais (nomeadamente a Convenção de Genebra) que proíbem a anexação permanente de terras nos territórios militarmente ocupados e a prática de actos discriminatórios sobre as respectivas populações, os sucessivos governos israelitas mais não têm feito que agir no sentido de assegurarem a maior ocupação territorial possível ao mesmo tempo de procuram expulsar por todos os meios os seus legítimos proprietários.
Mesmo sem recuarmos muito no tempo, a principal razão para a falta de entendimento entre os dois povos deriva fundamentalmente de questões sobre a propriedade da terra, a expulsão dos seus habitantes naturais, o direito de regresso e o controlo das fontes de água. A estratégia israelita de implantação de colonatos nos territórios ocupados (sejam eles a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, na Palestina, os Montes Golan, na Síria, e as Quintas de Sheba, no sul do Líbano) segue critérios de natureza política e estratégica bem diferentes dos que seriam ditados pelas sempre invocadas razões de segurança; no essencial o que Israel visa é o controlo das escassas fontes de água na região e, numa segunda instância, a inviabilização prática da existência do estado palestiniano.
Este último desiderato é particularmente visível se atentarmos num mapa da distribuição destes colonatos e das vias de acesso que os israelitas pretendem manter em usufruto exclusivo. Criando uma rede de vias proibidas aos palestinianos, mais do que hostilizá-los no seu próprio território o que Israel pretende é inviabilizar o funcionamento de uma das economias mais débeis no mundo, enquanto, cúmulo da hipocrisia, nos fóruns internacionais continua a apresentar-se como uma nação em perigo e sob permanente ameaça dos seus vizinhos hostis.
A simples comparação entre as condições de vida nas povoações palestinianas, como Bil’in, e nos colonatos judaicos, de que Mattityahu Mizra próximo de Bil’in é exemplo
facilita a compreensão do que realmente sucede naquela zona do Médio Oriente, onde desde a ocupação israelita de 1967 (na sequência da Guerra dos Seis Dias) os palestinianos legítimos proprietários de terras e casas foram declarados “ausentes”[2] e ao abrigo da legislação judaica impedidos de regressar à suas casas após o final dos confrontos. Empurrados para campos de refugiados ou para os países vizinhos (só na Jordânia estima-se que vivam mais de 4 milhões de palestinianos), impedidos de regressar às suas terras ou até mesmo à Cisjordânia, milhões de palestinianos continuam a ser condenados a viver em condições mínimas de sobrevivência.
A decisão de construção do muro de separação, que Israel insiste em justificar como medida de segurança e de prevenção contra ataques suicidas, e cujo desenho pode ser aqui apreciado em toda a sua extensão
não é mais que o último passo no sentido de aumentar o isolamento das débeis comunidades palestinianas.
Após a primeira vaga de apropriações que foi efectuada, em 1948, em consequência do resultado da I Guerra israelo-árabe e do novo processo de apropriações resultante da Guerra dos Seis Dias, em 1967, com a subida ao poder de Ariel Sharon[3] em 2001 o processo de expansão dos colonatos judaicos conhece uma nova fase. Anunciando-se favorável a uma política de “troca de terra pela paz” ordena o desmantelamento de alguns colonatos na Faixa de Gaza, mas simultaneamente reforça a presença de colonos judeus noutras zonas da Cisjordânia. Sem aceitar abertamente a aplicação dos termos dos Acordos de Oslo, fomentando uma política de constante atrito com Yasser Arafat, ainda assim Sharon, a par com o seu delfim Ehoud Olmert, poderá ter sido dos primeiros políticos israelitas de primeiro plano a reconhecer a inevitabilidade de um futuro domínio palestiniano por via da sua maior taxa de crescimento demográfico.
A dura realidade de num futuro próximo os judeus se verem suplantados pela população palestiniana e as cedências que as lideranças da OLP têm praticado terão estado na origem da nova política israelita que actualmente é definida como uma “retirada unilateral”. A decisão da construção do muro de separação, além de garantir a anexação de mais parcelas de território palestiniano procurará assegurar a perpetuação de uma maioria populacional judaica no interior de Israel.
Esta prática, em muito semelhante à que o regime da minoria branca procurou implementar na África do Sul com a criação de bantustões[4] não é, infelizmente, exclusivo do estado judaico; actualmente outros regimes, como o americano, estão a implementar sistemas idênticos em vários lugares: sob o pretexto da segurança, na fronteira entre os EUA e o México está a ser erguido um muro para travar a imigração clandestina de mexicanos, notícias mais recentes dão conta da intenção de construção de muros nas fronteiras do Iraque com a Arábia Saudita[5] e com a Turquia e até das manifestações de oposição dos iraquianos à construção de um muro de separação entre dois bairros na cidade de Bagdad[6].
Instalada a paranóia securitária, não será de estranhar que de hoje a amanhã dois quaisquer vizinhos malquistos também optem por erguer o seu muro.
E pensar que houve quem acreditasse que 1989 tinha sido o último ano do muro!_____________
[1] Os acordos de Oslo foram uma série de acordos na cidade norueguesa de Oslo entre o governo de Israel e o Presidente da OLP, Yasser Arafat mediados pelo presidente dos Estados Unidos da América, Bill Clinton. Assinaram acordos que se comprometiam a unir esforços para a realização da paz entre os dois povos. Estes acordos previam o término dos conflitos, a abertura das negociações sobre os territórios ocupados, a retirada de Israel do sul do Líbano e a questão do estatuto de Jerusalém. A retirada das forças armadas israelitas da Faixa de Gaza e Cisjordânia, assim como o direito dos palestinianos ao auto-governo nas zonas governadas pela Autoridade Palestiniana. O governo palestiniano duraria interinamente por cinco anos, durante os quais o estatuto seria renegociado (a partir de Maio de 1996) bem como as questões sobre Jerusalém, refugiados, colonatos, segurança e fronteiras. O auto-governo seria dividido em três áreas: uma sob controlo total pela Autoridade palestina, outra sob controlo civil pela Autoridade Palestiniana e controlo militar pelo Exército de Israel e uma última sob controlo total pelo Governo de Israel. (adaptado de Wikipédia)
[2] De acordo com uma lei criada em 1950, os palestinianos que tenham abandonado os seus lares entre 29 de Novembro de 1947 (data da votação pela ONU do plano de divisão da Palestina entre um estado judaico e outro árabe) e 1 de Setembro de 1948 foram considerados como ausentes. Em resultado desta mais de 600.000 hectares de propriedade privadas de cidadãos árabes foram anexadas e colocadas sob a jurisdição de curador (a Apotropos) e cerca de 75.000 palestinianos (1/3 dos cidadãos árabes de Israel na época) que fugiram das suas residências durante as hostilidades viram, após o seu regresso, ser-lhes aplicado o estatuto de “presentes ausentes”, pretexto sob o qual foram igualmente espoliados dos seus bens. (adaptado de Wikipédia)
[3] Ariel Sharon, estadista e militar foi primeiro-ministro de Israel entre Março de 2001 e 2006, membro do partido Likud (direita) e fundador do partido Kadima (centro). Na sua juventude integrou o Haganah (força paramilitar judaica clandestina que lutou contra a administração britânica da Palestina) e posteriormente o IDF (exército israelita); lutou na Guerra do Yom Kippur e em 1982, já como ministro da defesa no governo de Menachem Begin fomenta o conflito entre cristãos maronitas e árabes no vizinho Líbano e foi responsável pelos massacres de 3.000 palestinianos nos campos de refugiados de Sabra e Shatila, realizados durante a ocupação do Líbano pelo exército israelita. Obrigado a abandonar o cargo, desempenharia vários cargos ministeriais até à sua eleição em 2001. Figura polémica, viu-se envolvido de forma directa ou indirecta em alguns escândalos políticos e económicos, até que em 2005 funda o Kadima, é reeleito como primeiro-ministro e no início de 2006 sofre um derrame cerebral que o afastou da vida pública. (adaptado de Wikipédia)
[4] Nome porque ficaram conhecidos os pseudo-estados de base tribal criados pelo regime do apartheid na África do Sul, de forma a manter os negros fora dos bairros e terras brancas, mas suficientemente perto delas para servirem de fontes de mão-de-obra barata. (adaptado de Wikipédia)
[5] Ver aqui a notícia do DIÁRIO DIGITAL
[6] Ver aqui a notícia da BBC
5 comentários:
Não sei, mas pergunto: e se as débeis populações palestinas abandonassem o terrorismo, construiria Israel o muro?
Isso é precisamente o que os governos de Israel querem que pensemos!
Como tento explicar no texto, o verdadeiro objectivo do muro não é a segurança (o próprio Supremo Tribunal israelita o confirma) mas sim a garantia de supremacia populacional dos judeus nos territórios que pretende reservar para seu uso exclusivo. Para alcançar este fim mantém uma situação de permanente pressão sobre as populações palestinianas - a ideia de controlo pela Autoridade Palestiniana é na maioria dos territórios ocupados uma verdadeira farsa (este facto é confirmado por muitos observadores, entre os quais o insuspeito Jimmy Carter no seu livro "PALESTINA - PAZ SIM, APARTHEID NÃO")- e de pouco mais tem servido que para aumentar as divisões entre os próprios palestinianos.
Para nós é evidente que o recurso ao terrorismo é uma opção extrema (suicida no sentido figurado e literal)mas que apenas poderá ser plenamente entendida por quem conheça verdadeiramente a realidade local.
E que outro nome pode ser dado à estratégia dos EUA e seus parceiros do Quarteto para a Paz (UE, Rússia e ONU), que após um sufrágio eleitoral nos territórios ocupados, porque não ganhou quem melhor serviria os seus interesses decidiram implementar uma estratégia de hostilização da força política vencedora, na sequência da mesma estratégia que o governo israelita de Ariel Sharon utilizou para esvaziar ainda mais o diminuto poder de Yasser Arafat?
Numa guerra não existem santos nem pecadores... e ainda menos eles se encontram de um ou outro lado do conflito!
Coloco então a questão de outra forma: deixaria a opnião pública de Israel construir o muro?
O terrorismo não é assim tão inocente e é financiado por interesses externos à Palestina.
Sem querer transformar isto numa espécie de "jogo de parada e resposta", sempre lhe digo que:
1- é evidente que o terrorismo é tudo menos inocente e que os interesses envolvidos serão muito maiores que o que normalmente pensamos (convém não esquecer que os movimentos extremistas, de qualquer nacionalidade, etnia, religião ou matriz são particularmente vulneráveis a infiltrações);
2 - a opinião pública de Israel (para colocar a questão segundo a sua perspectiva) dificilmente se oporá a uma solução que lhe oferece inegáveis vantagens (demagógicas ou não); veja-se, por analogia,o que sucedeu com a minoria branca na África do Sul que apenas cedeu a sua posição de dominância quando radicalmente isolada pela generalidade da comunidade mundial.
Bom ponto de vista, esse da África do Sul.
Teriamso que discutir o papel da formação da consciência na opnião pública. Tenho família na África do Sul que defendiam convictamente o regime e não o consideravam injusto, mas uma inevitabilidade.
Arrependeram-se de ter lá continuado.
Os nossos muros são sempre uma inevitabilidade e por vezes ficamos prisioneiros deles.
Obrigado pelas respostas.
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