Muito se tem
escrito nos últimos dias sobre a onda de contestação que assola a França.
Despoletado pelo anúncio de mais um aumento da carga fiscal indirecta (subida
do imposto sobre os combustíveis) este movimento inorgânico (sem liderança aparente),
naturalmente justificado pelo avolumar de situações que há décadas vêm
degradando as condições de vida de camadas cada vez maiores de populações –
desemprego, baixos salários, reduções nos apoios sociais, subida dos impostos
indirectos e descida dos impostos directos, especialmente sobre os grandes
rendimentos –, mas sem um programa definido e com objectivos muitas vezes difusos,
tem sido muitas vezes comparado ao que há cinquenta anos rebentou nas ruas de
Paris.
O Maio de 68, o
movimento estudantil que acabaria numa relativa insignificância logo que foi “tomado”
pelas forças políticas organizadas, não será o melhor termo de comparação para
o que agora ocorre numa França onde as tendências frontistas – que aqui deve
ser entendida no duplo sentido da tradição das frondas (série de guerras
civis ocorridas na França em meados do século XVII onde a monarquia se viu
confrontada por diversos segmentos da sociedade) e dos apoiantes do Front
National, o partido de extrema-direita nacionalista, entretanto renomeado Rassemblement
National, dirigido por Marine Le Pen – são amplamente conhecidas. Macron poderá
ter sido tentado a repetir a estratégia que permitiu a De Gaulle ultrapassar
aquela crise, mas pese embora a costela bonapartista que ambos partilham, não
possui a estatura política nem institucional do velho general que, queira-se ou
não, ainda representava uma certa França republicana e anti-fascista, mas debate-se
agora no labirinto que criou com as frustradas promessas de reformas internas e
de uma nova dinâmica europeia e a braços com uma contestação interna que, ao
contrário do Maio de 68, regista grandes apoios não só em Paris, mas também
noutras cidades como Bordéus, Lyon, Nantes, Avignon, Toulouse, Saint-Étienne ou
Marselha.
Humilhado em
quase toda a linha, ou não fossem as tais mudanças a simples aplicação da
agenda neoliberal e uma reformulação da velha visão europeia, Macron e os seus
apoiantes possuem cada vez menos campo de manobra e encontram-se a um passo de
escancarar as portas do poder aos seguidores de Le Pen.
Depois dos sans-cullotes que nos finais do século
XVIII marcaram a Revolução Francesa, com o que isso significou de mudança de um
regime aristocrático para burguês, será que no início do século XX os gilets jaunes irão marcar alguma coisa?
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