domingo, 9 de dezembro de 2018

GILETS JAUNES


Muito se tem escrito nos últimos dias sobre a onda de contestação que assola a França. Despoletado pelo anúncio de mais um aumento da carga fiscal indirecta (subida do imposto sobre os combustíveis) este movimento inorgânico (sem liderança aparente), naturalmente justificado pelo avolumar de situações que há décadas vêm degradando as condições de vida de camadas cada vez maiores de populações – desemprego, baixos salários, reduções nos apoios sociais, subida dos impostos indirectos e descida dos impostos directos, especialmente sobre os grandes rendimentos –, mas sem um programa definido e com objectivos muitas vezes difusos, tem sido muitas vezes comparado ao que há cinquenta anos rebentou nas ruas de Paris. 


O Maio de 68, o movimento estudantil que acabaria numa relativa insignificância logo que foi “tomado” pelas forças políticas organizadas, não será o melhor termo de comparação para o que agora ocorre numa França onde as tendências frontistas – que aqui deve ser entendida no duplo sentido da tradição das frondas (série de guerras civis ocorridas na França em meados do século XVII onde a monarquia se viu confrontada por diversos segmentos da sociedade) e dos apoiantes do Front National, o partido de extrema-direita nacionalista, entretanto renomeado Rassemblement National, dirigido por Marine Le Pen – são amplamente conhecidas. Macron poderá ter sido tentado a repetir a estratégia que permitiu a De Gaulle ultrapassar aquela crise, mas pese embora a costela bonapartista que ambos partilham, não possui a estatura política nem institucional do velho general que, queira-se ou não, ainda representava uma certa França republicana e anti-fascista, mas debate-se agora no labirinto que criou com as frustradas promessas de reformas internas e de uma nova dinâmica europeia e a braços com uma contestação interna que, ao contrário do Maio de 68, regista grandes apoios não só em Paris, mas também noutras cidades como Bordéus, Lyon, Nantes, Avignon, Toulouse, Saint-Étienne ou Marselha.

Humilhado em quase toda a linha, ou não fossem as tais mudanças a simples aplicação da agenda neoliberal e uma reformulação da velha visão europeia, Macron e os seus apoiantes possuem cada vez menos campo de manobra e encontram-se a um passo de escancarar as portas do poder aos seguidores de Le Pen.

Depois dos sans-cullotes que nos finais do século XVIII marcaram a Revolução Francesa, com o que isso significou de mudança de um regime aristocrático para burguês, será que no início do século XX os gilets jaunes irão marcar alguma coisa?

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