Era fatal que no ano em que se
assinala o centenário da Revolução Russa (os célebres 10 dias que abalaram o
Mundo, como se lhe referiu John Reed) abundassem na imprensa as referências ao
processo que levou à implantação dos sovietes e, por acréscimo, a quem formulou
as bases ideológicas e cujo segundo centenário do nascimento se assinala também
este ano.
Era igualmente fatal que entre os
comentaristas – da Revolução Russa ou do pensamento de Karl Marx – surgisse
também o Prof César das Neves; o reconhecido economista, professor e autor de
vasta obra surgiu nas páginas do DN
a lançar «Veneno
na ferida», como apostrofa o principal pilar e grande inovação na obra de
Marx: a luta de classes.
Apresenta como utópico o modelo
conceptualizado por Marx e Engels, sugere uma alternativa onde reduz a dinâmica
das sociedades à bonomia da acalmia dos ânimos, à procura de consensos e à
construção de equilíbrios – tudo ideias e intenções louváveis mas apenas
exequíveis após o reconhecimento e a aceitação das diferenças – ideia tanto ou
mais utópica pois esteriliza o conflito social, reduzindo-o a meros mal-entendidos e confrontos, para culminar com a
lapidar sentença de que “...o trabalho
precisa tanto do capital como este daquele”, esquecendo que até os
fundadores da escola clássica (David Ricardo e até Adam Smith) assentaram as
bases da sua formulação económica na teoria da distribuição e na teoria do
valor-trabalho.
O que ressalta no texto não são
contributos como o papel da dialéctica na observação dos fenómenos económicos e
sociais, nem a construção dum modelo explicativo da evolução das sociedades
(que menospreza quando diz que no “...essencial, o modelo de Marx é o de David Ricardo...”), apenas que a formulação daquele fenómeno
social gerou as piores desgraças da história... e que a “...ideia [da luta de
classes] é um dos maiores crimes da
humanidade”.
Preferindo a vituperação do
pensador (quando escreve que “...a herança de Marx não pode ser desligada do que foi
realizado em seu nome [...] Pode dizer-se que ele não tem culpa e que tais sistemas [os regimes marxistas] foram distorções, mas a raiz do mal está indubitavelmente no processo
básico e fundamental de todo o modelo: a dinâmica da luta de classes)
à análise do pensamento, poderemos (por extrapolação) esperar do autor uma
próxima condenação das divindades pelas guerras que em seu nome foram, e serão,
executadas?
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