domingo, 19 de novembro de 2017

AO LADO

Continua a ser gratificante acompanhar o interesse que muitos dos principais economistas nacionais dedicam ao debate sobre os grandes problemas do país, bem como as chamadas de atenção que nos deixam. Entre estes destaco o Prof César das Neves pela seu contínuo labor naquela senda.

O seu último contributo chegou-nos ontem nas páginas do DN e nele o autor propõe-se conduzir-nos num processo de aprendizagem e disciplina que a todos oriente para não passarmos «Ao lado da questão»... da grande questão em torno dos grandes problemas do país!

Depois de vituperar as prioridades do actual governo, nas suas próprias palavras o «...aumento e a proteção do rendimento disponível das famílias, o alívio da asfixia fiscal da classe média, o desendividamento e condições de investimento das empresas, o combate à pobreza, a garantia de serviços e bens públicos essenciais...», reorienta-se para os diagnósticos apresentados por grandes organizações internacionais, como o FMI, a OCDE e a Comissão Europeia, para concluir que não aqueles os grandes problemas nacionais mas sim a decadência demográfica e a esassez de capitais.
É evidente que o profundo sentido litúrgico do Prof César das Neves o impede de ver que para fundamentar a sua conclusão podia – devia e nem sequer era difícil – ter escolhido melhor argumentário que a citação das mesmíssimas organizações que antes sustentaram que não havia alternativa à política de “austeridade-expansionista” que não alcançou o tão propalado desiderato de “resolver a crise”, como defendiam aquelas organizações internacionais e o anterior governo, tão solícito e ansioso por lhes agradar.

Pouca gente duvidará da necessidade de corrigir a pirâmide demográfica nacional, mas apontar o aborto e a eutanásia entre os principais responsáveis pelo problema, quando as estatísticas apontam para uma redução dos abortos (IVG) realizados nos estabelecimentos de saúde (menos de 16.500 ocorrências em 2015 contra mais de 18.600 em 2008) e para uma queda de décadas na relação entre o número de activos e o de idosos, revela, no mínimo, uma evidente falta de integridade intelectual da parte do autor.

Mesmo descontando a sua conhecido verrina contra a despenalização do aborto, esta é uma falha imperdoável, mas não isolada, pois de seguida aponta como origem do problema, a par com a baixa taxa de fertilidade, um dos maiores surtos migratórios da história (segundo diz teremos perdido 7% da população activa entre 2007 e 2016), esquecendo (ou escondendo, o que ainda é pior) que o pico do surto migratório ocorreu precisamente em 2014, no auge da aplicação da tal política de “austeridade-expansionista” e quando os governantes da época exortaram os jovens a “sair da sua zona de conforto e a emigrarem”; para os mais esquecidos, como o Prof César das Neves, basta recordar «Como Passos e outros governantes apelaram à emigração».

Seria difícil, ao invés, referir a persistente redução do número de nascimentos (de uma média de mais de 100.000 nascimentos anuais, na década de 1990, caímos para menos de 81.600 em 2014) e procurar explicações em causas como a situação da mulher perante o emprego, o aumento das cargas horárias e a evolução do desemprego e do rendimento das famílias? Talvez... mas seguramente mais honesto!

Outro tanto poderá ser dito da explicação apresentada para a excassez de capital, que atinge as raias do delírio quando, fazendo tábua rasa da memória recente, invoca a alienação de empresas a estrangeiros como causa para a fragilização do capital nacional, como se esta prática não tivesse sido fomentada/imposta pelas grandes organizações internacionais – o FMI, a OCDE e a Comissão Europeia, que a presentaram como panaceia para a perdularidade e o despesismo nacionais – cujas orientações tanto tem prezado, e sem denunciar a enorme iresponsabilidade que terá sido a sua acatação.


Por fim, qual cereja no topo do bolo, o Prof César das Neves lá vai reconhecendo que o actual governo tem atingido o objectivo do equilíbrio das contas públicas, ainda que aponte «...o enviesamento e a fragilidade dos expedientes usados na descida do desequilíbrio...», para concluir que o resultado «...não constitui verdadeira consolidação orçamental» porque, como «...dizem [a] Comissão Europeia e [o] Conselho das Finanças Públicas, a reposição de pensões e salários de funcionários prejudica o défice estrutural...», como se o fracasso dos anteriores governos no controlo do défice não tivesse sido uma constante.

Em resumo, e como em tantas ocasiões anteriores, o Prof César das Neves aborda as grandes questões nacionais na mesma perspectiva que atribui aos que critica, também ele «...segue pressões e satisfaz clientelas, sem ligar aos verdadeiros problemas nacionais».

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