sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

A MENTIRA DA VERDADE

Olhando em retrospectiva a questão dos acordos entre o ministro Mário Centeno e o ex-presidente da CGD António Domingues resume-se a pouco mais que uma breve lição de real politik.


Parece hoje claramente evidente que terá havido um acordo de princípio entre os dois para que o segundo (e o resto dos administradores) da CGD se eximisse à apresentação obrigatória da declaração de rendimentos e património ao Tribunal Constitucional. Igualmente óbvio parece o interesse que os motivou: Centeno queria apresentar uma administração para CGD credível e Domingues não terá compreendido (ou aceite) a ideia que gerir um banco público implica sujeição a “outras regras”.

O braço de força criado acabou por se revelar fatal para Domingues (que acabou por renunciar ao cargo) e muito desgastante para Centeno que ainda hoje continua debaixo de fogo, não por ter aceite as condições de Domingues – além da questão legal pouco se falou do que me parecia mais óbvio que era a entrada em força de altos quadros do BPI na administração da CGD – mas sobre a sua eventual cobertura àquela pretensão.

Levantada a lebre na TVI, por Marques Mendes (o advogado, ex-político e agora comentador político candidato a ocupar o lugar deixado vago por Marcelo Rebelo de Sousa no imaginário televisivo), de pronto PSD e CDS elevaram o problema a questão nacional e central da sua agenda política.

Claro que Centeno parece um alvo fácil nesta matéria, mas o encarniçamento de Passos Coelho e Assunção Cristas é tanto mais triste quanto outros temas há, como o fraco crescimento económico e a duvidosa descida da taxa de desemprego, que justificam mais atenção que a atribuída à questão, tivessem eles o engenho e a arte para tal.

Igualmente lamentável é que António Costa, o homem que habilmente conseguiu tecer a teia que sustenta o actual governo e que tem mostrado na prática que não só este funciona como existem alternativas à política da “austeridade expansionista” tão cara a Passos Coelho, não tenha intervido a tempo de evitar que um ministro politicamente inábil deixasse alimentar uma polémica que pode afinal não esconder outro desiderato que o de prolongar um ambiente desfavorável à recapitalização da CGD que contribua para justificar a tão desejada privatização.

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