Não
constituindo novidade o verdadeiro calvário que as populações africanas em fuga
da fome, miséria e guerras têm vivido nos últimos anos no Norte de África, com
o início da Primavera reactivaram-se as tentativas desesperadas para atravessar
o Mediterrâneo que as separa da almejada Europa. Como consequência aumentaram
também o número de naufrágios e demais desventuras náuticas, ou não fossem
estes migrantes transportados em embarcações sem um mínimo de condições de
segurança e até de navegabilidade.
A imprensa
europeia voltou a encher-se de manchetes, como a que refere a ocorrência da «Maior
tragédia de sempre no Mediterrâneo. Mais 700 mortos a somar aos 4500 dos
últimos 15 meses», e de pronto chegou a notícia que solícitos e empenhados
«Chefe
de Estado e de Governo vão reunir-se de emergência para discutir tragédia no
Mediterrâneo». Da reunião extraordinária dos 41 ministros dos Negócios
Estrangeiros e da Administração Interna dos estados-membros da UE (aquela
organização que nos últimos anos tem primados pela rapidez e qualidade das suas
resoluções) resultou um conjunto de medidas de acção imediata (para serem
analisadas na próxima cimeira extraordinária que reunirá os 28 chefes de Estado
e de Governo da UE), assim enumeradas pelo EXPRESSO:
«As 10 medidas de acção imediata:
1.
A UE vai reforçar as operações de patrulhamento marítimo do
Mediterrâneo, denominadas Triton e Poseidon, concedendo-lhes mais dinheiro e
equipamento. A UE vai também expandir o patrulhamento para uma área marítima
mais ampla.
2.
O bloco vai fazer um esforço sistemático para capturar e destruir
embarcações usadas pelos traficantes de pessoas, usando a "Atalanta",
a operação anti-pirataria na Somália, como modelo. Os responsáveis da UE
indicaram que será uma operação conjunta civil e militar, não especificando
mais.
3.
Os agentes responsáveis pelo cumprimento da lei da UE, pelo
controle de fronteiras, as instituições encarregues da concessão de asilos vão
reunir-se regularmente para trabalharem de forma mais próxima para recolherem
informação sobre o modo como os traficantes operam, para rastrear o seus fundos
e auxiliar nas investigações em torno deles.
4.
O gabinete da UE para apoio aos refugiados irá destacar equipas em
Itália e na Grécia para um processamento conjunto das candidaturas para
obtenção de asilo.
5.
Os governos da UE vão registar as impressões digitais de todos os
migrantes.
6.
A UE irá considerar todas as opções para um "mecanismo de
relocalização de emergência" dos migrantes.
7.
A Comissão Europeia irá lançar um projecto voluntário piloto para
a reinstalação dos refugiados por toda a UE.
8.
A UE vai estabelecer um novo programa para o rápido regresso dos
migrantes 'irregulares' coordenado pela agência da UE Frontex para os países do
Mediterrâneo da UE.
9.
A UE vai empenhar-se através da Comissão e dos serviços
diplomáticos da UE para desenvolver um esforço conjunto com países vizinhos da
Líbia.
10.
A UE vai destacar responsáveis dos gabinetes de imigração para
fora do seu território para reunir informação sobre os fluxos migratórios e
para fortalecer o papel das delegações da UE.»
Estas
medidas destacam-se por uma forte componente burocrática (que outra coisa seria
de esperar…) e uma breve referência a «…um
esforço conjunto com países vizinhos da Líbia», no que aparenta ser a única
aproximação ao cerne do problema: a criação de mais um estado inviável no
território líbio, originado após a acção concertada entre europeus e americanos
para o derrube de Muammar al-Kadhafi.
Depois de
décadas de abandono económico e político, no afã de afastar um ditador o
Ocidente voltou a repetir os erros cometidos noutras partes do mundo e em
especial nos territórios muçulmanos do Afeganistão e do Iraque, criando uma
situação caótica onde os heterogéneos opositores (desde os laicos mais ou menos
moderados até aos fundamentalistas muçulmanos) passaram a guerrear-se entre si
e a financiar essa actividade através do “transporte” de migrantes do sul do
Sahel e de todos os que queiram fugir ao conflito e à crescente influência dos
radicais islâmicos.
É claro que a
simples referência aos milhares de mortos já registados é suficientemente
perturbadora das consciências para merecer atenção e uma solução adequada,
porém aquilo que os dirigentes da UE se preparam para implementar será
tão-somente um reforço das medidas de protecção da sua fronteira marítima (o
Mediterrâneo), numa clara transformação daquele foi o “Mare Nostrum” que ao longo de séculos facilitou e fomentou as
trocas comerciais e de ideias entre a Europa e o Mundo Islâmico, porque uma
solução orientada para o investimento e a inclusão dos povos – que não
conseguem, ou não querem, realizar no interior do seu próprio espaço económico
– está completamente arredada das suas cogitações.
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