quinta-feira, 30 de abril de 2015

A MESMA MÚSICA

São cada vez mais claros e evidentes os sinais que atravessamos já um período de campanha eleitoral; digo-o em função das declarações dos principais actores e duma ou outra “novidade” política, a mais recente das quais foi o anúncio da coligação PSD/CDS para as próximas legislativas.

Se dúvidas houvesse que não restava outra alternativa aos parceiros governativos, bastaria ter lido o relatório “Uma década para Portugal” – proposta subscrita por um conjunto de economistas sob o alto patrocínio do PS – para perceber que com aquele programa o PS passaria a assumir-se como uma verdadeira alternativa à governação PSD/CDS.

Os mais calejados nestas disputas pelo poder dirão que outra coisa não era de esperar; tal tem sido a regra de alternância entre uns e outros ao longo das últimas décadas. A novidade é que à enfadonha repetição do apelo ao “centrão” – protagonizada pelo inquilino de Belém – o PS parece estar a responder com um verdadeiro desafio ao duo Passos Coelho/Paulo Portas. Mas estará?

Lido e relido o documento e deixando para ocasiões que não faltarão no futuro uma apreciação mais detalhada sobre alguns dos seus aspectos, que conclusão se pode retirar dum texto onde abundam as referências politicamente correctas mas iguais no essencial às ideias centrais do liberalismo económico?

É claro que nem tudo é negativo – como é o caso da proposta de recuperação do Imposto Sucessório (incidindo sobre as heranças de elevado valor) ou a proposta de agravamento da tributação sobre o património imobiliário não utilizado como residência (ainda que fique a dúvida se a intenção é privilegiar a habitação principal ou apenas onerar o uso comercial ou industrial) – mas o que de positivo resulta duma proposta onde à partida se reafirma a ideia dum Estado limitado às mais essenciais funções de soberania? Em que é que isto difere do conceito ordoliberall do estado minimalista?

Depois de lido no documento que o PS, tal como se propõem PSD e CDS, também pretende descapitalizar a Segurança Social (via redução da TSU); que, tal como PSD e CDS, também não tenciona reverter a política de reduções salariais (no máximo propõe reduzir os prazos propostos pelo actual governo) nem repor o princípio da progressividade no IRS ou qualquer imposição fiscal sobre as mais-valias, não faz a mínima alusão à revisão da política de salário mínimo e até propõe subsidiar os salários baixos quando defende a atribuição dum complemento salarial anual, tendo a concluir que uma reacção onde o «PSD questiona PS sobre cenário macroeconómico e insiste numa análise independente» (desviando o debate da esfera política para “técnica”) e o rápido anúncio formal da coligação PSD/CDS deve ser entendido como sinal de que existe uma clara alternativa de direita à política do actual governo.

Partindo dum diagnóstico que vai muito além do lugar-comum da culpabilização da dívida e do despesismo, mas esquecendo nas propostas qualquer contributo para contrariar a situação (como seja a eventual reestruturação dívida e a indispensabilidade de reformar a moeda única), o documento acaba por se revelar perfeitamente inserido na mesma área económico-social (a do liberalismo económico) do PSD; a proposta do PS poderá contestar a hegemonia da via única da austeridade-expansionista, embora pouco mais faça que agitar algumas promessas, mas nunca ameaçar o essencial do objectivo que partilha com PSD e CDS e continua a ser o de assegurar a continuação do processo de concentração da riqueza em benefício duma minoria de ultra-ricos.


Posto isto, o comentário que pronto me ocorreu foi a recordação duma piada que data do tempo em que, no rescaldo do PREC, o PPD se converteu em PSD e quando todos os partidos ainda incluíam no seu programa político a menção do “caminho para o socialismo”, aquela transformação era comentada como imagem real dos dois principais partidos, pois o “caminho para o socialismo” ‘proposto pelo PS só era mais rápido que o do PSD por este ser a diesel

sábado, 25 de abril de 2015

LEMBRANDO ABRIL

Há demasiado tempo que as comemorações oficiais do 25 de Abril deixaram de lustrar a verdadeira dimensão e propósito daquele acontecimento. Lembrar Abril passou a ser um acto mecânico levado a cabo com maior ou menor empenho mas nunca com alma ou emoção.

Os discursos oficiais passaram a reflectir outros valores que não os da liberdade e da igualdade e pior ficaram depois que o Palácio de Belém passou a ser ocupado por um reformado que habitualmente nos mimoseia com «…um arrazoado de banalidades, redigido num idioma de eguariço» (como aqui escreveu Baptista Bastos).


Compensando a baixeza das cerimónias oficiais e a ladainha presidencial, voltaram a ser outros os locais onde se fizeram as comemorações, lembrando aqueles que deram voz à resistência ou na rua protestando contra a forma como temos sido governados.


terça-feira, 21 de abril de 2015

MEDITERRÂNEO MORTAL

Não constituindo novidade o verdadeiro calvário que as populações africanas em fuga da fome, miséria e guerras têm vivido nos últimos anos no Norte de África, com o início da Primavera reactivaram-se as tentativas desesperadas para atravessar o Mediterrâneo que as separa da almejada Europa. Como consequência aumentaram também o número de naufrágios e demais desventuras náuticas, ou não fossem estes migrantes transportados em embarcações sem um mínimo de condições de segurança e até de navegabilidade.


A imprensa europeia voltou a encher-se de manchetes, como a que refere a ocorrência da «Maior tragédia de sempre no Mediterrâneo. Mais 700 mortos a somar aos 4500 dos últimos 15 meses», e de pronto chegou a notícia que solícitos e empenhados «Chefe de Estado e de Governo vão reunir-se de emergência para discutir tragédia no Mediterrâneo». Da reunião extraordinária dos 41 ministros dos Negócios Estrangeiros e da Administração Interna dos estados-membros da UE (aquela organização que nos últimos anos tem primados pela rapidez e qualidade das suas resoluções) resultou um conjunto de medidas de acção imediata (para serem analisadas na próxima cimeira extraordinária que reunirá os 28 chefes de Estado e de Governo da UE), assim enumeradas pelo EXPRESSO:

«As 10 medidas de acção imediata:
1.      A UE vai reforçar as operações de patrulhamento marítimo do Mediterrâneo, denominadas Triton e Poseidon, concedendo-lhes mais dinheiro e equipamento. A UE vai também expandir o patrulhamento para uma área marítima mais ampla.
2.      O bloco vai fazer um esforço sistemático para capturar e destruir embarcações usadas pelos traficantes de pessoas, usando a "Atalanta", a operação anti-pirataria na Somália, como modelo. Os responsáveis da UE indicaram que será uma operação conjunta civil e militar, não especificando mais.
3.      Os agentes responsáveis pelo cumprimento da lei da UE, pelo controle de fronteiras, as instituições encarregues da concessão de asilos vão reunir-se regularmente para trabalharem de forma mais próxima para recolherem informação sobre o modo como os traficantes operam, para rastrear o seus fundos e auxiliar nas investigações em torno deles.
4.      O gabinete da UE para apoio aos refugiados irá destacar equipas em Itália e na Grécia para um processamento conjunto das candidaturas para obtenção de asilo.
5.      Os governos da UE vão registar as impressões digitais de todos os migrantes.
6.      A UE irá considerar todas as opções para um "mecanismo de relocalização de emergência" dos migrantes.
7.      A Comissão Europeia irá lançar um projecto voluntário piloto para a reinstalação dos refugiados por toda a UE.
8.      A UE vai estabelecer um novo programa para o rápido regresso dos migrantes 'irregulares' coordenado pela agência da UE Frontex para os países do Mediterrâneo da UE.
9.      A UE vai empenhar-se através da Comissão e dos serviços diplomáticos da UE para desenvolver um esforço conjunto com países vizinhos da Líbia.
10.  A UE vai destacar responsáveis dos gabinetes de imigração para fora do seu território para reunir informação sobre os fluxos migratórios e para fortalecer o papel das delegações da UE.»

Estas medidas destacam-se por uma forte componente burocrática (que outra coisa seria de esperar…) e uma breve referência a «…um esforço conjunto com países vizinhos da Líbia», no que aparenta ser a única aproximação ao cerne do problema: a criação de mais um estado inviável no território líbio, originado após a acção concertada entre europeus e americanos para o derrube de Muammar al-Kadhafi.

Depois de décadas de abandono económico e político, no afã de afastar um ditador o Ocidente voltou a repetir os erros cometidos noutras partes do mundo e em especial nos territórios muçulmanos do Afeganistão e do Iraque, criando uma situação caótica onde os heterogéneos opositores (desde os laicos mais ou menos moderados até aos fundamentalistas muçulmanos) passaram a guerrear-se entre si e a financiar essa actividade através do “transporte” de migrantes do sul do Sahel e de todos os que queiram fugir ao conflito e à crescente influência dos radicais islâmicos.

É claro que a simples referência aos milhares de mortos já registados é suficientemente perturbadora das consciências para merecer atenção e uma solução adequada, porém aquilo que os dirigentes da UE se preparam para implementar será tão-somente um reforço das medidas de protecção da sua fronteira marítima (o Mediterrâneo), numa clara transformação daquele foi o “Mare Nostrum” que ao longo de séculos facilitou e fomentou as trocas comerciais e de ideias entre a Europa e o Mundo Islâmico, porque uma solução orientada para o investimento e a inclusão dos povos – que não conseguem, ou não querem, realizar no interior do seu próprio espaço económico – está completamente arredada das suas cogitações.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

A UE E A GRÉCIA

Enquanto no plano interno, quando já há quem anteveja que as «Eleições presidenciais de 2016 ameaçam recorde de candidatos em 1986», parece cada vez mais evidente que não é apenas a campanha para as eleições legislativas que está em curso, no plano europeu o centro de atenções continua a ser a situação grega sobre a qual se diz que «Bruxelas admite que não haja acordo com a Grécia até ao fim do mês».


Sendo certo que os sectores afectos ao pensamento ordoliberal insistem na tónica de que o problema grego é fundamentalmente uma questão de natureza orçamental – cuja solução passa pela continuidade, senão pelo aprofundamento, das políticas de austeridade – habituados que estavam à insignificante oposição levantada, talvez estranhem que o novo governo grego ensaie outra solução que não aquela que resultou numa quebra de quase 25% do seu PIB.

Entre reuniões, comunicados e notícias (que não raras vezes pouco mais constituem que verdadeiros ultimatos, como o que ressalta da afirmação produzida pelo porta-voz da CE, o ex-conselheiro económico de Durão Barroso e ex-eurodeputado pelo PPE Margaritis Schinas, de que a «Comissão Europeia “não está satisfeita” com as negociações com Atenas e pede “progressos”» ou das declarações de Wolfgang Schäuble, o ministro das finanças alemão, que embora dizendo que «"Temos responsabilidades para com a Grécia e não vamos desconsiderar essa solidariedade"», de pronto as condicionou à submissão grega ao programa negociado com a “troika) o actual governo grego vai resistindo a repetir as políticas de completa subserviência dos seus antecessores; o tempo escasseia e joga obviamente a favor dos interesses dos credores e dos líderes europeus mais apostados em servi-los que àqueles que os elegeram. A pressão do sector financeiro – seja directamente, por intermédio do BCE ou das agências de notação de risco (de que a recente notícia de que a «Standard & Poor's baixa rating da Grécia» é um claro exemplo) – tem vindo a desgastar a estratégia de resistência do Syriza e faz crescer as hipóteses deste aceder às exigências da UE ou de colapsar e obrigar a nova consulta eleitoral.

Confirmada a evidência do acuamento da posição grega (tanto mais que os anunciados extremistas nunca fizeram qualquer menção ao recurso à “bomba atómica” financeira que seria o “default”, limitando-se a aludir a um possível adiamento dos reembolsos agendados para Maio), persistindo a fragilidade da Zona Euro (especialmente porque a imposição da visão ordoliberal continua a impedir qualquer veleidade de reforma do sistema financeiro do euro) começa a desenhar-se inexoravelmente o cenário da rendição grega, a menos que os processos eleitorais que irão decorrer nos próximos meses por essa Europa tragam para a ribalta política o oxigénio de diferentes ideias e novas abordagens...

sexta-feira, 10 de abril de 2015

COMO ALMADA

Embora ainda recentemente (ver o “post” «LIBERDADES E PRÁTICAS ESCANDALOSAS») tenha manifestado a minha opinião desfavorável ao conteúdo do TTIP (Transatlantic Trade and Investment Partnership), apresentado como uma solução através da qual a «Economia norte-americana pode salvar mais uma vez uma Europa em depressão», como se na actual conjuntura a finalidade dum acordo de comércio livre fosse a salvaguarda doutro interesse que não o das multinacionais e das grandes fortunas que as financiam – claramente evidenciado na inclusão da famigerada clausula ISDS (Investor-State Dispute Settlement) que garantirá às grandes empresas o recurso a tribunais especiais para resolver eventuais conflitos com os Estados –, como se ainda se mantivesse intacta a capacidade imperial de Washington, ou à forma camuflada do grande público como tem sido “negociado”, uma notícia do NEGÓCIOS, que atribui a Durão Barroso a afirmação que o «Impacto de acordo entre EUA e UE "será sentido muito além da economia"» leva-me a recuperar o tema.


É claro, para quem tenha acompanhado o percurso político e a evolução do “pensamento” dum personagem menor que fruto de circunstâncias alheias (ter sido escolhido para anfitrião da cimeira Bush-Blair que decidiu a famigerada invasão ocidental do Iraque) se viu alcandorado à duvidosa tarefa de catalisador da decadência da UE de que foi condutor, que o sentido da afirmação se encontra nos antípodas do que uma leitura apressada possa sugerir. O personagem não pretende alertar os cidadãos para o claro aviso deixado pelo estudo da Fundação Austríaca para Investigação do Desenvolvimento (OFSE na sigla alemã) que, como referi no “post” «O PROBLEMA EUROPEU», antevê que o acordo terá custos sociais elevados e poucos ganhos em termos de salários reais, empregos e PIB, antecipando mesmo uma redução no comércio entre os países membros da UE em cerca de 30% em resultado do aumento da concorrência das importações baratas dos EUA, importações que na sua maioria têm origem nos países asiáticos para onde as multinacionais (que, repito, se querem eximir ao escrutínio dos tribunais nacionais) deslocalizaram a sua produção; o que faz é repetir o vazio argumento da “dimensão histórica” do acordo, a par com o desgastado “discurso do futuro risonho”.

Em síntese, se um dos principais responsáveis pelo fim que se anuncia para a UE se pronuncia a favor do TTIP, apetece-me parafrasear Almada Negreiros e exclamar como ele o fez a propósito de Júlio Dantas: SE O DURÃO É A FAVOR… EU SOU CONTRA!

segunda-feira, 6 de abril de 2015

PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA

No dia em que se assinala o 4º aniversário do início da intervenção da “troika”,em que muito se poderia dizer para descrever o seu efeito na economia nacional, eis que o insuspeito EXPRESSO resumiu a situação dizendo que «Portugal tem mais 210 mil pessoas em risco de pobreza ou exclusão desde 2010».


Para quê lembrar a queda de mais de 7% no PIB, o crescimento desemprego para níveis próximos dos 20% (38% no caso do desemprego jovem), a repetição dos défices anuais acima das “metas” e, pasme-se, a subida da dívida pública até aos 130,2% do PIB (em 2010 estava nos 96,2%).

Constatar-se, como o fez recentemente o INE, que a «Recessão com a troika foi maior do que se pensava» é um mero eufemismo que esconde a verdadeira finalidade dum programa económico anunciado para combater o crescimento da dívida pública mas desenhado desde a primeira hora para assegurar o aumento do desequilíbrio no modelo de distribuição da riqueza, concentrando-a num número cada vez menor de super-ricos.

Muitas outras referências podiam neste momento ser invocadas à colação, como a de que «Portugal regista a maior queda nos custos laborais na União Europeia» ou de que «Portugal é o terceiro país da UE com menos vagas de emprego», mas a cereja no topo do bolo, que insistem que traguemos sem contestação, foi “oferecida” quando a «Bloomberg põe Portugal como o 10.º país mais miserável».


Mais palavras para quê?

quarta-feira, 1 de abril de 2015

AIIB

Se a sigla AIIB pouco ou nada lhe diz, está na altura de ficar a saber que significa Asian Infrastructure Investment Bank, que se trata dum banco de investimento patrocinado pela China mas que já conta com mais de quatro dezenas de países fundadores, entre os quais vários europeus (Reino Unido, Alemanha, França, Itália, Luxemburgo e Suíça).

Como é fácil perceber, trata-se dum banco internacional de investimento, à maneira do FMI e do Banco Mundial e que as estas horas haverá gente para os lados das terras do Tio Sam particularmente interessada em perceber o que está a acontecer.


O mais interessante é que foram os EUA os principais impulsionadores do AIIB quando em 2013 se opuseram à revisão de poderes na gestão e direcção do FMI e do Banco Mundial, indispensável face ao reforço de posições dos países emergentes.

À irredutibilidade norte-americana responderam os chineses com uma clara manifestação de poder e de vontade de o exercer, contando (por incrível que possa parecer) com o beneplácito dos principais países europeus, interessados nos negócios que se irão desenvolver num continente asiático em franco crescimento, que, ao contrário dos americanos, parecem já ter entendido que o século XXI será um século chinês (tal como o século XX o foi norte-americano) e que, depois do colapso do Euro, o Renmimbi (Yuan) é a moeda que se perfila para substituir o dólar americano.