sábado, 19 de março de 2011

CAMINHANDO NA PRANCHA


Poucas horas tinham decorrido sobre as primeiras notícia da catástrofe nipónica, quando um não menor abalo se fez sentir em Lisboa ao saber-se que o «Governo anuncia novo PEC com mais austeridade já para 2011».

Com este anúncio dum novo pacote de medidas de austeridade (o quarto) para reduzir o défice público a ser feito no mesmo dia em que a «Comissão Europeia e BCE terão descoberto um buraco nas contas públicas portuguesas», quando decorria uma cimeira de chefes de governo da Zona Euro e sem qualquer aviso prévio, ao presidente da república ou à oposição, poder-se-á tirar outra ilação que não a de que o governo de José Sócrates agiu sob pressão dos seus parceiros comunitários[1] e de que o quarto conjunto de medidas anunciadas para o reequilíbrio das contas públicas não constituirá senão mais outro pacote de medidas pouco estruturadas e de todo contraproducentes, enquanto não surgem outras?

A reacção dos partidos da oposição, com o PSD à cabeça, poderá finalmente evidenciar a crise política que a inépcia do reconduzido presidente da república proporcionou[2], mas nada disso, nem um possível cenário de eleições antecipadas, contribuirá minimamente para resolver as duas grandes questões aqui subjacentes:
  1. a incapacidade de sucessivos governos nacionais para reduzirem, ou apenas conterem, os excessos da despesa pública;
  2. o óbvio perigo que resulta de um regime político baseado na exclusiva alternância entre dois agrupamentos políticos que partilham, no essencial, as mesmas perspectivas e objectivos: o de servir os interesses duma minoria (nacional e estrangeira) contra os da maioria dos cidadãos.
Na sequência deste abalo (insignificante face à dimensão da catástrofe humana que se abateu sobre o Japão) deveria surgir finalmente algum espaço na sociedade portuguesa para o debate de ideias sobre a forma de abordar o problema do endividamento (e do respectivo financiamento) público, tanto mais que opiniões diversas não são matéria que falte (ainda muito recentemente Amartya Sen defendeu numa entrevista ao PUBLICO que «A Europa “devia esperar pelo momento certo para reduzir a dívida pública”»), antes costumam ser sistematicamente silenciadas pela imprensa, pelos governos e pelas estruturas partidárias que se recusam a conceder a mínima hipótese para um debate de ideias.

Incapazes de ponderar outras ideias além das que lhes foram inculcadas, são igualmente incapazes de aceitar que outros possam apresentar melhores soluções pelo que se recusam a ouvi-los ou a quem tal sugira. Receosos de perderem o destaque dos lugares que ocupam (ou a que almejam), renegam qualquer hipótese da realidade não se coadunar com os modelos teóricos que lhes ensinaram, ou simplesmente impingiram, e falhos de capacidade analítica, nem sequer arriscam o mínimo confronto com quem pense de forma distinta (ou apenas pela sua própria cabeça) e preconize que de políticas restritivas possa resultar algo mais que um novo período de recessão económica e novo agravamento do endividamento determinado pela regressão do PIB.

Soberbos na sua ignorância e cegos nas suas convicções, estão a conduzir-nos de forma decidida para um abismo que asseguram querer evitar e expõe-nos não apenas ao ridículo mas também à dolorosa situação duma morte lenta por definhamento (económico e social) ou ao absurdo dum suicídio colectivo.


Como que a provar a incapacidade destes actores da cena política, nem sequer espanta o alarido com que o ministro Teixeira dos Santos anunciou que a «Despesa pública caiu 3% e receita subiu 11% em Fevereiro», quando toda a lógica e bom senso aponta para que o resultado a louvar devesse ser uma quebra de 11% na despesa e uma subida de 3% na receita., pois o autismo dos governantes (actuais, pretéritos e futuros) vai ao ponto de ignorarem estoicamente o mal-estar que grassa na sociedade portuguesa e de que as recentes manifestações são apenas a ponta mais visível[3].

Entretidos nos seus jogos palacianos, pretendem trazer agora para a ordem do dia a discussão sobre uma pretensa crise política – como se a não vivêssemos desde as últimas legislativas – e convencer os incautos eleitores que, quais puras donzelas surgidas agora do éter, nenhuma responsabilidade têm na actual conjuntura e com eles todos os nossos males (nomeadamente a redução das condições e da qualidade de vida) se resolverão; num passe de mágica, as políticas responsáveis pela actual situação deixarão de merecer críticas e passarão a constituir a panaceia para todos os males como os seus antecessores propagandearam mas não souberam executar.


[1] Igual linha de pensamento desenvolveu Perez Metelo, no seu comentário semanal no DN, onde sob o título «O pauzinho na engrenagem» diz: «Não foi o Governo que quis fazer figura com as medidas adicionais, foram a Comissão Europeia (CE) e o Banco Central Europeu (BCE) - os novos avalistas para os países do euro sobreendividados - que o exigiram, para poderem afirmar - como o fizeram há uma semana - que agora sim, estão convencidos de que Portugal está em condições de cumprir as metas de redução do défice público.» e hoje mesmo assegura-se na primeira página da edição semanal do EXPRESSO que «Governo assumiu por escrito com Bruxelas medidas do PEC»
[2] Ver a propósito o “post” «A CANDIDATURA SÉRIA DA INÉPCIA COMO VIRTUDE».
[3] Embora tardias – face ao desenrolar da crise e ao acumular de evidências sobre a sua extensão e gravidade, apenas agora (no passado sábado e hoje) é que se começaram a assistir às primeiras manifestações contra a política seguida – começaram já a registar-se as primeiras grandes manifestações de protesto, a ponto do EXPRESSO ter noticiado que «300 mil protestaram em Lisboa e no Porto contra a precariedade» e o SOL que «Avenida da Liberdade pequena para os trabalhadores que desfilam».

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